Violações de direitos humanos ocorrem em todas as partes do planeta.
Ninguém está imune. Os abusos acontecem sob qualquer tipo de governo, em
qualquer país, sem distinção. A única diferença é o tratamento que se
dá às violações.
Os abusos contra os direitos humanos, no entanto, podem servir para dar ímpeto ao aperfeiçoamento dos regimes de proteção.
O fenômeno dos "desaparecidos" em ditaduras latino-americanas revelou a
necessidade de legislação contra detenções arbitrárias; o horror do
Holocausto mostrou a importância de se prevenir a prática do genocídio; e
a segregação do apartheid evidenciou a urgência de se promover a
igualdade racial.
Da mesma forma, a escolha de um radical religioso, que vocifera
publicamente contra negros e homossexuais, para a presidência da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados deveria
servir de lição e ajudar o fortalecimento da promoção e defesa dos
direitos humanos no Brasil.
Como nenhum outro episódio da crônica política recente, a eleição de
Marco Feliciano (PSC-SP) deixou clara a luta covarde que as minorias têm
de travar para garantir o debate de seus direitos no Congresso.
Sua escolha alertou, também, para o processo de apropriação do aparelho
estatal para fins de proselitismo religioso fundamentalista.
Sobretudo, mostrou a falta de compromisso dos parlamentares brasileiros
com a finalidade última da democracia representativa, que é governar
para todos, com justiça e contemplando a felicidade individual de cada
um.
Em sua radicalidade, o descaso da Câmara dos Deputados com o objetivo
final da atividade legislativa acabou energizando a militância e a
sociedade civil organizada.
Mais do que isso, estimulou a participação política de centenas de
milhares de cidadãos, que expressaram seu descontentamento nas mídias
sociais. O recado ao governo é claro: grande parte de nossa população
não aceita barganhas políticas às custas de princípios democráticos
fundamentais.
Do mesmo modo que não se atingem as partes baixas dos competidores numa
luta de boxe, não se transacionam direitos humanos em arranjos
políticos. É esse o espírito de nossa Constituição.
O que aconteceu na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dá a dimensão
clara dos problemas que a consolidação dos direitos humanos enfrenta em
países de herança político-institucional autoritária, religiosa e
paternalista. Ao governo, o episódio deve servir como alerta. Aos
cidadãos que querem um Brasil mais inclusivo e justo, deve servir como
lição e estímulo.
Os negros e os homossexuais vilificados no discurso do deputado
Feliciano são vítimas. Sofrem discriminação diária no Brasil. Mas suas
lutas prosperam em outros países. Enquanto o pastor pregava racismo, o
povo norte-americano elegia um presidente negro. Enquanto desqualificava
os homossexuais, os belgas escolhiam um primeiro-ministro abertamente
gay. E tudo bem. Não aconteceu nada. Ninguém acabou no inferno por
causa disso.
Alexandre Vidal Porto, escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor
No fAlha
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