sab, 23/11/2013 - 12:14
- Atualizado em 23/11/2013 - 12:47
Sugerido por Webster Franklin
Do Diário do Centro do Mundo
O martírio de José Genoino
Por Paulo Nogueira
Por Paulo Nogueira
Até uma criança foi usada no linchamento moral de Genoino
Está na história dos grandes momentos da resistência brasileira à brutalidade uma ação do advogado Sobral Pinto.
Na defesa de um preso político chamado Harry Berger, no pior
período da era Getúlio Vargas, Sobral invocou a Lei de Proteção dos
Animais.
Berger, preso sob um vão de escada, era impedido sistematicamente
de dormir. Seus torturadores mantinham enfiado em sua uretra um arame
cuja outra extremidade ficava em brasa. A despeito do esforço épico,
heroico de Sobral, Berger enlouqueceu na prisão.
Me pergunto se o advogado de Genoino não deveria invocar a Lei de
Proteção de Animais em favor de seu cliente, como Sobral Pinto fez.
Me pergunto, também, se vamos assistir de braços cruzados à
carnificina psicológica de que Genoino vem sendo vítima há muito tempo,
agravada recentemente pela truculência de Joaquim Barbosa.
A sociedade vai dar um basta – sobretudo a JB — quando Genoino enlouquecer como Harry Berger ou, simplesmente, morrer?
Alguém me perguntou: Genoino é bandido ou mocinho no enredo do Mensalão?
Minha resposta: nem uma coisa nem outra. Ele é, simplesmente, um injustiçado, como os demais réus.
O Mensalão é o equivalente ao Mar de Lama com que a direita levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.
É o “combate à corrupção” sendo usado da forma mais descarada, mais
cínica e mais selvagem. Lembremos que Jango também tombou sob o
“combate à corrupção”, em 1964.
O PT, é certo, se comportou ali, no Mensalão, como os demais
partidos – a começar pelo PSDB – cuja ética ele tanto criticara antes de
chegar ao poder.
Dinheiro que sobrara de campanha – importante: não era dinheiro
público, ao contrário do que tem sido tão propagado – foi usado para que
congressistas de outros partidos apoiassem iniciativas consideradas
relevantes do governo. Não é o caso de aplaudir — mas muito menos para
dizer, numa mentira abjeta, que era “o maior escândalo de corrupção da
República”.
A aprovação de Lula – 80% no final de seu mandato – é o melhor
indicador de que as medidas, feitas todas as contas, eram afinal
positivas para o Brasil, no julgamento da voz rouca das ruas. Isso não
elimina o fato de que o PT errou — e o erro foi especialmente dolorido
porque o partido prometera trazer uma ética rígida que não havia na
política brasileira — mas ajuda a ver as coisas com mais clareza.
Em circunstâncias normais, averiguadas as responsabilidades, a vida
seguiria e todos extrairiam as lições, a começar pelo PT. Mas não. A
direita viu nele a chance de repetir 1954 e 1964. A indignação era tão
fajuta quanto a de Lacerda nas duas ocasiões. Apenas os resultados foram
diferentes.
Se a indignação fosse genuína, ela teria se manifestado na compra de votos que permitiu a FHC um segundo mandato.
Sobral Pinto foi um gigante moral
Por que a diferença de tratamento? Por que FHC e companheiros foram
poupados e sob Lula os acusados foram – a palavra é esta – massacrados?
A resposta mais simples é: porque FHC era e é amigo do chamado 1%, cuja voz é a mídia, notadamente a Globo e a Veja.
E porque o 1% sempre quer tirar governos populares, como o de
Getúlio e o de Jango, para colocar seus representantes. E o argumento é,
invariavelmente, o mesmo: “corrupção”.
Nada mais corrupto que o 1% — a começar pelo fato de que para essa
elite predadora imposto é coisa para os pobres. Mas mesmo assim o 1% se
comporta como se fosse Catão.
Veja bem: Roberto Marinho no papel de Catão. Você tem aí uma dimensão da palhaçada.
Tudo, no Mensalão, foi meticulosamente preparado pela direita. O
número de 40 reus, por exemplo: foi feito para que se usasse a expressão
“Ali Babá e os 40 Ladrões”.
Para a conta fechar, Gushiken foi incluído, e isso contribuiu
decisivamente, segundo relatos dos que o conheceram, para o avanço do
câncer que o mataria. Quando Gushiken foi retirado da lista, por não
haver nada que pudesse ser usado contra ele pelos carrascos, já era
tarde.
A data do julgamento foi escolhida para coincidir com as eleições
de 2012. O brasileiro mostrou ter acordado: mesmo com o patético
espetáculo da mídia e do STF, Serra não se elegeu prefeito de São Paulo.
Num debate, ele disse mais de uma vez a Haddad, seu desconhecido
oponente: “Você é amigo do Dirceu, não é?” Para Serra, este golpe sujo
teria efeito sobre os paulistanos. Deu no que deu.
O Mensalão foi um mau passo do PT, é verdade. Mas a dimensão que se
deu a ele foi infinitamente acima da realidade. Daí a injustiça
fundamental.
Isso porque o objetivo não era moralizar coisa nenhuma. Era,
simplesmente, repetir o que fora feito com Getúlio e Jango. Tomar o
poder por outros meios que não as urnas.
O impeachment contra Lula não foi adiante por dois motivos:
primeiro, ao contrário do que ocorre com Collor, a direita temia o poder
de mobilização do PT. Como reagiriam as centrais sindicais, por
exemplo? Parariam o país? A pressão popular em favor de Lula, deposto,
faria que se repetisse no Brasil o que ocorreu na Venezuela com Chávez?
Chávez foi deposto pela direita num dia e, 48 horas, foi devolvido
ao poder pelo povo venezuelano cansado de sua elite vassala dos Estados
Unidos.
A segunda razão para que o impeachment de Lula não prosperasse é
que não havia militares aos quais recorrer, ao contrário de 1964. A
ditadura militar foi um fracasso tão espetacular que nem mesmo o mais
reacionário dos generais consideraria que no início dos anos 2 000
haveria qualquer chance de apoio popular a um golpe à base de tanques.
No meio desse enredo todo entra Genoino, vítima de um linchamento
moral intolerável. O infame programa CQC do ainda mais infame Marcelo
Tas chegou a usar uma criança para atormentar Genoino.
Que ele fez? Ninguém sabe direito. Provavelmente nada. Com certeza
muito menos do que lhe atribuíram. Invocaram a Teoria do Domínio do Fato
– segundo a qual ele deveria saber das coisas — para condená-lo.
Quem comandou as acusações comprou de forma imoral um apartamento
em Miami que vale algumas vezes todo o patrimônio de Genoino, e usou 90
000 reais do dinheiro do contribuinte para reformar os banheiros de seu
apartamento funcional.
Alguém, em algum instante, falou em TDF para FHC? Ou ele se achava
tão popular no Congresso que deputadores e senadores correriam, alegres,
para apoiar um segundo mandato?
O Mensalão foi extraordinariamente aumentado, pela combinação da
mídia com o STF, com finalidades inconfessáveis. Mas mesmo as cinzas de
Getúlio e Jango sabem que queriam que Lula se juntasse aos dois em mais
um golpe;
Essa ampliação fabricada acabou por custar caro particularmente a Genoino.
Ele tem que ser salvo de seus carrascos enquanto é tempo. Nem que
para isso seja necessário invocar a Lei de Proteção de Animais, como fez
Sobral Pinto num gesto cuja grandeza é maior que as palavras que posso
empregar.
Do GGN O JORNAL DE TODOS OS BRASIS. LUIS NASSIF.
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