quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A capacidade de simular indignação torna complicado debater com Aécio

Sobre ontem à noite
Não é fácil debater com Aécio Neves, como ficou claro ontem.

Aécio tem um atributo clássico em políticos tradicionais, ou em demagogos, caso você prefira uma palavra mais exata: a capacidade de simular indignação e, assim, comover as pessoas mais crédulas e inocentes.

Vê-lo em ação me lembra, sempre, uma passagem de Orestes Quércia num Roda Viva. Quércia fingiu indignar-se com uma pergunta e chegou a se levantar da cadeira para tentar agredir fisicamente, aspas, o autor dela.

Mas estava claro, a quem não era tão ingênuo assim, que Quércia estava tão calmo naquele momento como se estivesse tomando uma cerveja com amigos num domingo de sol.

No debate da Band, Aécio recorreu à indignação calculada quando Dilma mencionou o nepotismo que o marca como administrador.

O nepotismo é a maior negação da meritocracia, uma palavra que Aécio usa com obsessão nesta campanha como alternativa ao “aparelhamento” petista.

A maior expressão do nepotismo de Aécio — longe de ser a única — é sua irmã, Andrea Neves. Como é amplamente sabido, Andrea trabalha com Aécio e é uma das pessoas que mais o influenciam.

O marido de Andrea, Luiz Marcio, é quem cuida da agenda de Aécio na campanha.

Citada Andrea, o talento de Aécio para simular indignação jorrou no debate da Band.

Ele chamou Dilma de “leviana” e disse que ela tinha a obrigação de dizer o que Andrea fazia.

É uma pena que o debate seja tão engessado, e que Dilma não tenha demonstrando presença de espírito para continuar no assunto para expor a falácia de Aécio sobre a irmã.

Dilma não é uma debatedora natural, e isso pode custar caro a ela em enfrentamentos com um adversário com uma carga mínima de escrúpulos.

A mesma falsa indignação apareceu quando veio à tona o aeroporto que Aécio mandou construir, com dinheiro público, numa fazenda da família.

Aécio reagiu no mesmo tom com que respondeu a Luciana Genro quando esta o enquadrou num debate no primeiro turno.

Há aí um traço peculiar de Aécio. Com Dilma e Luciana, ele foi extremamente incisivo ao defender o indefensável, o aeroporto privado pago com dinheiro público.

Com Bonner, quando o tema foi levantado na sabatina do Jornal Nacional, o tom foi bem diferente, nada áspero. Bonner não foi chamado de “leviano”, ou coisa do gênero.

Outra característica que torna complicado debater com Aécio é a sem cerimônia com que ele aponta nos outros defeitos que ele próprio tem em alta dose.

Várias vezes, no debate de ontem, ele acusou Dilma de “falta de generosidade”, e de não reconhecer erros.

Alguma vez Aécio reconheceu qualquer erro? Ele mostrou algum traço de generosidade nos debates?

No extremo oposto disso, ele repetidas vezes tentou ontem usurpar os méritos do Bolsa Família.

A paternidade do Bolsa Família, repetiu Aécio, seria não de Lula, mas de FHC. Ora, durante muito tempo o programa foi desprezado, por Aécio e tucanos, como Bolsa Esmola.

Agora o pai é FHC?

O repertório demagógico de Aécio é vasto. Ele disse ontem, mais uma vez, que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa se demitiu, conforme consta de uma ata da empresa.

Ora: todo mundo sabe como funciona o cerimonial em tantas corporações e governos. A pessoa é despedida e, oficialmente, pede demissão.

Tivemos, há pouco, o caso de Patrícia Poeta na Globo. No comunicado da Globo, depois de excelentes serviços prestados ao JN, ela estava saindo porque desde o começo estipulara que ficaria três anos no posto, conforme registrado em seu contrato.

Haverá outros debates.

Aécio seguirá em seu tom. Dilma tem que se preparar melhor. Não estou dizendo que ela tenha que ser demagoga, ou cínica, ou falaciosa como seu adversário.

Mas tem que ser mais rápida e mais convincentes nas respostas, e não abandonar assuntos como o do nepotismo enquanto não forem esgotados.

Na economia, isso é particularmente importante.

Aécio faz um corte maroto e diz, insistentemente, que o Brasil cresce menos que os vizinhos.

Há copiosos dados — de organismos internacionais — que dão contexto justo e esclarecedor ao estado da economia do Brasil.

A poderosa Alemanha está em recessão, a recuperação econômica americana não veio e até a China cresce a taxas tímidas se comparadas às de alguns anos atrás.

Minas mesmo: dados do IBGE mostram como a economia de Minas, em anos sob Aécio, cresceu bem menos que os vizinhos.

Nos próximos debates, Dilma não deve agir como Aécio, porque seria péssimo para os brasileiros serem manipulados não por um dos candidatos, mas por ambos.

Mas ela poderia incorporar um pouco, ou muito, do espírito de Luciana Genro.

Paulo Nogueira
No DCM


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