A primeira página de um jornal talvez
seja a mais importante de todas por um bom motivo: nem todo mundo compra
ou lê o impresso, mas todos observam a primeira página em exposição nas
bancas de revistas, salas de espera, etc. Os jornalões sabem disso e
mesmo quando se dedicam ao jornalismo ético nas páginas internas,
utilizam a primeira página para gerar polêmica ou sensacionalismo, pois
este pequeno exercício de espetáculo vende e dá lucro.
Sendo
assim, vejamos as primeiras páginas do jornal O Globo entre os dias 17 e
21 de outubro desta semana. Façamos um exercício rápido de leitura
semiótica sobre o jornal.
Edição do dia 17/10/2011 |
Segunda-feira, dia 17
de outubro. Nada melhor do que destacar o futebol ocorrido no fim de
semana, algo que o povo já viu pelo televisor ou computador no domingo.
Logo abaixo, uma grande foto destacando Cielo no Pan de Guadalajara,
talvez para rebater as críticas que as Organizações Globo sofreram nos
dias 14, 15 e 16, de que estavam se negando a noticiar o maior evento
esportivo das Américas só porque a cobertura ficou com a concorrente
Record. No canto inferior direito, o chargista veste Aécio Neves de
super-homem, fazendo desde já uma associação de ideias que a direita
pretende emplacar até 2014: Aécio (super-homem) presidente.
Edição do dia 18/10/2011 |
Antes de qualquer coisa, é preciso ler a definição encontrada no Wikipedia para o termo charge:
Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por
meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais
personagens envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa
carga, ou seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para
torná-lo burlesco. Muito utilizadas em críticas políticas no Brasil. A
charge, enquanto crítica subjetiva, cresce do cantinho inferior para
cerca de 25% da primeira página. A intenção é polemizar o que diz a
manchete do jornal, que simplesmente colocou o ministro numa
corda-bamba. Os leitores mais ingênuos podiam esperar que no dia
seguinte veriam a demissão de Orlando Silva. Qual é o escândalo? Uma
série de acusações feitas por uma única pessoa e publicadas inicialmente
na mesma revista incrível de sempre: a Veja. Provas? Nenhuma.
Barulho
da mídia? É só o que existe em mais uma tentativa de se derrubar um
ministro na mesma semana em que, por coincidência, a cúpula da Fifa está
reunida num país de primeiro mundo na Europa. A Fifa anda bravinha com o
governo brasileiro só porque ele quer cortar algumas de suas regalias
(regalia = dinheiro). Aliás, por outra coincidência, as acusações sobre o
ministro do Esporte acontecem na mesma semana em que decidem para onde
vai a abertura da Copa de 2014: para Itaquera, em São Paulo.
Edição do dia 19/10/2011 |
No dia 19 a charge de
crítica política volta ao seu cantinho inferior, não derrubaram o
ministro, mas utilizam uma foto sua com a mão no queixo, simbolizando O
pensador de Rodin num momento delicado e cheio de preocupações. Tudo tão
simbólico quanto crível. O motivo para ganhar mais uma manchete e
tamanho espaço na primeira página? Nenhum. Fatos novos? Nenhum. Apenas
as acusações da mesma única pessoa na qual a revista Veja se baseou para
criar um escândalo político sem nenhuma prova. Para o jornal O Globo, a
simples acusação de uma única pessoa já é motivo de virar manchete. É o
melhor estilo do Jornalismo Vaudeville.
Edição do dia 20/10/2011 |
Na quinta-feira foi a
hora de retomar a tentativa de derrubada de um ministro. A mídia já
derrubou alguns em 2011. A charge de crítica política volta a tomar o
espaço principal do jornal. Quais os fatos novos? Nenhum. Então é
preciso criar, pois jornalismo para O Globo, se faz com criatividade e
não com apuração. Então coloca lá: Planalto já avisou que PC do B
perderá Esporte. Perguntei-me: quem é esse Planalto que avisou o Partido
Comunista? Fui pesquisar no Google e descobri que o nome completo é
Palácio do Planalto. Achei o nome ainda mais esquisito e fui pesquisar
fotos desta pessoa que fez o aviso. Só então descobri que o Planalto,
esse que avisou o jornal O Globo mas não falou nada para a presidenta
Dilma, é o nome oficial do Palácio dos Despachos da Presidência da
República Federativa do Brasil, segundo o Wikipedia. Enfim, mesmo com
muita criatividade, está difícil derrubar alguém. Quem sabe na sexta o
político cai.
Edição do dia 21/10/2011 |
Não foi ministro, nem
foi no Brasil, mas no dia 21 o jornal satisfez seu desejo de derrubar
alguém. Para tanto, não economizou no sensacionalismo e no sangue:
estampou a primeira página com uma foto digna dos jornais mais
popularescos deste país. A charge de crítica política volta ao seu
habitual espaço, o cantinho inferior. Foi por estes dias que O Globo
estampou numa das páginas internas do impresso uma foto de dois braços
mutilados. Uma cena horrível e desnecessária que eu jamais teria visto,
não fosse a decisão estúpida de um editor. Para o ditador ensanguentado
ainda sobrou um caderno especial, com direito a muito mais sangue.
Assim, de modo simbólico, podemos entender o que deseja o jornal e como
ele conquista seus desejos.
No Comunica Tudo
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