A nova luta pela independência
O quadro internacional, se é
preocupante por um lado, com a rearticulação dos velhos imperialistas,
é, da mesma forma, oportunidade para a consolidação institucional da
União Sulamericana, como passo necessário a aliança mais vasta, que
compreenda todos os países do continente ao sul da fronteira com os
Estados Unidos.
Mauro Santayana
Acossada por uma crise econômica
gravíssima, a Europa busca reforçar a aliança histórica com os Estados
Unidos, a fim de consolidar e ampliar a sua presença na América Latina e
na África – mas isso parece improvável.
Todos os movimentos,
diplomáticos e militares, nestes últimos meses, dão nitidez a essa
percepção, expressa ainda de maneira discreta por alguns analistas
internacionais. Trata-se, conforme a velha imagem, do abraço dos
afogados.
Ainda agora, Zapatero, que
assumiu o governo com grandes esperanças da esquerda, depois da
desoladora atuação da direita, com Aznar, passa a integrar o famoso
escudo antimísseis dos Estados Unidos, permitindo aos ianques que, para
isso, utilizem sua base naval em Rota, na Andaluzia. Essa base,
construída em 1953, quando Washington estreitou relações com Franco, seu
aliado na guerra fria, ocupa uma área estratégica no Atlântico, fora
das águas do Mediterrâneo.
O passo humilhante de Zapatero
não revela apenas submissão ideológica, mas erro político, mesmo dentro
da consciência burguesa de nação. Como apontou, em seu editorial de
hoje, sexta-feira, El País, trata-se de uma provocação à Rússia,
que deve ser convencida a influir para que o Irã renuncie a seu projeto
nuclear bélico. É claro que os russos, que não nasceram ontem, e
conhecem a Europa Ocidental desde Ivã, o Terrível, sabem muito bem a que
alvo apontam os foguetes norte-americanos. O fortalecimento de seus
laços com o Irã e sua estratégia, a prazo maior, de restabelecer sua
influência na Eurásia, com a esperada saída dos ianques do Iraque e do
Afeganistão, orienta-lhe a postura. Seu veto à ameaça contra a Síria, ao
lado da China, no Conselho de Segurança, é mais do que uma cortesia a
Assad.
O quadro internacional, se é
preocupante por um lado, com a rearticulação dos velhos imperialistas,
é, da mesma forma, oportunidade para a consolidação institucional da
União Sulamericana, como passo necessário a aliança mais vasta, que
compreenda todos os países do continente ao sul da fronteira com os
Estados Unidos. Enfim, é hora da definitiva independência de nossos
povos, 200 anos depois da enganosa autonomia patrocinada pela Inglaterra
e aprovada pelos europeus no Congresso de Viena.
O momento favorece, também, o
retorno à esquerda, depois do desastrado recuo da União Soviética, com a
traiçoeira capitulação de Gorbatchev. No mundo inteiro, e também no
Brasil, houve o esmorecimento dos partidos de esquerda, com a deserção
de conhecidos quadros intelectuais, e a permanência de diminutos núcleos
de testemunho e resistência ideológica.
Na Europa, a social-democracia
foi fazendo seu giro à direita, que atingiu também os partidos
comunistas. O primeiro passo desses antigos partidos comunistas foi o
abandono da denominação, como se o adjetivo, de origem tão generosa, se
tornasse palavrão imoral. Enfim, parecia triunfante, ad aeternum, o pensamento único, restaurador do fundamentalismo mercantil do século 17.
Passados trinta anos do
reaganismo e vinte anos da Queda do Muro, o mundo desperta e, com ele,
se restaura a silhueta de Marx. Teremos que voltar à consciência crítica
e a filosofia da práxis, a fim de dar idéias ao movimento de massas que
acaba de chegar aos Estados Unidos, e se acelere o processo histórico
que, sendo necessário, passa a ser possível.
O Brasil, descontado o otimismo
exagerado de alguns, terá exercer resistência clara ao novo
colonialismo, na consolidação da aliança continental, a partir dos
mecanismos existentes, como o Mercosul, a Unasul, e o sistema de
consultas militares entre os vizinhos. Devemos controlar, sem inibições,
a atividade dos capitais estrangeiros. É conto da carochinha supor que o
Banco Santander – e o exemplo é bom – esteja interessado no
desenvolvimento autônomo do Brasil e em ação decisiva nas questões
mundiais. O que os espanhóis pretendem é retornar ao domínio da América
Latina, aproveitando-se da debilidade dos Estados Unidos. No âmago de
sua arrogância, seus dirigentes acreditam que podem voltar aos séculos
16 e 17, ao tempo de Carlos V e de Filipe II, antes do desastre da
Invencível Armada.
Convém recordar que a impetuosa
invasão econômica da América Latina, com a compra de empresas nacionais,
a partir das privatizações determinadas pelo Consenso de Washington e,
no Brasil, pela submissão de Fernando Henrique, tem sido financiada com
recursos da União Européia – que deveriam ter tido outro destino.
A nossa oportunidade é agora.
Mauro Santayana é colunista
político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa
(1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e
trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S.
Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na
Península Ibérica e na África do Norte
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