Da
Carta Maior - 21/10/2011
As
mentiras continuam. Muhamad Jibril, primeiro ministro interino, mentiu
descaradamente, ao afirmar que Kadafi fora morto em “fogo cruzado” dos
rebeldes com tropas leais ao dirigente líbio. As imagens, divulgadas no
mundo inteiro, mostram Kadafi ainda vivo, caminhando, levantando o
braço, até ser derrubado a socos e pontapés, para ser, finalmente,
assassinado.
Mauro Santayana*
Ao
que parece, a Terra cobra, em sangue, o petróleo que é retirado de suas
entranhas. Mas tem cobrado mal: não são os que os que consomem o óleo
alucinadamente os que pagam a dívida para com o planeta, mas sim os que
tiveram a maldição de o ter em abundância, como os paises árabes e
muçulmanos. Todas as teorias – a defesa dos direitos humanos, da
democracia, da civilização ocidental, e, até mesmo, do cristianismo –
são ociosas para explicar a sangueira dos tempos modernos. No caso do
Oriente Médio, a cobiça pelo petróleo, desde o início do século passado,
tem sido a causa de todos os males.
As imagens divulgadas ontem,
da prisão, da tortura e da morte do coronel Kadafi são semelhantes às
da prisão, da farsa do julgamento, e da execução de Saddam Hussein. Da
execução de Osama bin Laden ainda não conhecemos todas as imagens, mas é
provável que um dia sejam divulgadas.
A biografia desses três
homens é semelhante. Todos eles tiveram, em um tempo ou outro, as
melhores relações com os países ocidentais, democráticos e cristãos. Em
livro que será publicado nos próximos dias, a Sra. Condoleeza Rice
confessou um certo fascínio por Kadafi, que a ela se referia como “minha
princesa africana”. Hillary Clinton reagiu com interjeição de alegre
surpresa, ao ver as imagens do trucidamento do coronel. Terça-feira, em
Trípoli, ela disse claramente que Kadafi devia ser preso ou morto,
imediatamente.
Osama bin Laden, como é sabido, foi sócio de Bush
pai em negócios de petróleo. No Afeganistão se uniu à CIA e ao
Pentágono, no trabalho político junto aos combatentes anti-soviéticos.
Essas ligações devem ter influído no ódio de pai e filho ao combatente
muçulmano.
O caso de Saddam é ainda mais significativo. O Iraque
não podia ser considerado um país obscurantista. Ainda que não fosse
democrático – e, segundo os indignados norte-americanos, tampouco há
democracia nos Estados Unidos – era um regime tolerante, que dava
relativa liberdade às mulheres, autorizadas a freqüentar as
universidades e a usar trajes ocidentais, e não exercia perseguição aos
não islamitas, tanto assim que o segundo homem do governo, Tariq Aziz,
era cristão católico do rito caldeu.
Nessa cruzada disfarçada de
conflito de civilizações, as mentiras foram as mais importantes armas
dos Estados Unidos. Suspeita-se que todas elas decorram de uma mentira
ainda maior: a de que o ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque tenha
sido uma operação determinada por bin Laden. Que Saddam Hussein nada
tinha a ver com isso, é hoje fora de dúvida.
Para justificar a
invasão ao Iraque, os Estados Unidos apresentaram “provas” forjadas,
como fotografias de caminhões e de galpões, como sendo de instalações
nucleares. Afirmaram ao mundo, por Collin Powell e outros, que Saddam,
além de desenvolver seu arsenal atômico, dispunha de outras armas de
destruição em massa, como produtos químicos letais. O embaixador
brasileiro José Maurício Bustani, então diretor da Organização das
Nações Unidas para a Proibição de Armas Químicas, e conhecia a realidade
iraquiana, sabia que se tratava de uma mentira, e tentava obter a
adesão de Saddam ao tratado internacional contra as armas químicas – o
que desmentiria as acusações americanas - foi destituído de seu cargo
pelas pressões do governo Bush. Hoje, é o embaixador do Brasil em Paris.
A
terceira peça do tabuleiro, a ser eliminada, foi o governante líbio.
Ele fora declarado “limpo” pelos governos ocidentais, e privava da
intimidade dos líderes norte-americanos e europeus. Caiu na esparrela de
acreditar nisso, e enfrentou, ao mesmo tempo, os que o consideravam um
renegado e os sedentos de seu petróleo e, por isso mesmo, sedentos de
sangue.
Esses três casos são uma forte advertência aos países
árabes que têm sido vassalos fiéis de Washington. Os príncipes da Arábia
Saudita que se cuidem. O Paquistão, ao que parece, já está com suas
barbas no molho.
E as mentiras continuam. Muhamad Jibril, que é o
primeiro ministro interino e terá que vencer facções que lhe são
contrárias, mentiu descaradamente, ao afirmar que Kadafi fora morto em
“fogo cruzado” dos rebeldes com as tropas leais ao dirigente líbio. As
imagens, divulgadas no mundo inteiro, mostram Kadafi ainda vivo,
caminhando, levantando o braço, até ser derrubado a socos e pontapés,
para ser, finalmente, assassinado.
*Mauro Santayana
é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi
correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima
Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre
eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e
correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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