Cresce a suspeita de que o “complô iraniano” é armação
Gareth Porter |
14/10/2011, Gareth Porter, Asia Times Online
(com comentários atualizados de EmptyWheel)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
WASHINGTON.
Embora o governo de Barack Obama insista em apresentar o governo do Irã
como “responsável” pelo suposto complô para assassinar o embaixador
saudita em Washington, a queixa legal formal [1] relativa ao caso só sugere, e fortemente, que toda a operação pode ter sido armada pelo Federal Bureau of Investigation (FBI).
O relato do FBI [oficialmente uma “Sealed amended criminal complaint” [2],
apresentada por Robert Woloszyn, Agente Especial do FBI, que depõe sob
juramento ante o juiz Michael H, Dolinger, juiz do Distrito Sul de New
York, dia 11/10/2011], implica Mansour Arabsiar,
iraniano-norte-americano e seu primo, Ali Gholam Shakuri, oficial da
Força Qods do Irã, num plano para assassinar o embaixador da
Arábia Saudita nos EUA Adel al-Jubeir; o agente especial do FBI não nega
que a ideia “foi fortemente trabalhada, sob direção do FBI, por um
agente da DEA [Agency of Drug Enforcement, a agência nacional americana para controle de narcóticos] infiltrado num cartel mexicano de drogas”.
Dia
24 de maio, quando Arabsiar encontrou-se pela primeira vez com o
informante da DEA, que ele supunha que fosse membro de um cartel
mexicano de drogas, não há sinal de que se tratasse de contratar um
esquadrão da morte para assassinar o embaixador. Tudo sugere que seu
único objetivo fosse iniciar um contato para vender enorme quantidade de
ópio do Afeganistão.
No
relato do FBI, o mais parecido com prova de que Arabsiar estivesse
buscando ajuda para assassinar o embaixador saudita é uma fala,
atribuída ao informante da DEA, segundo o qual Arabsiar teria dito que
estava “interessado, entre outras coisas, em atacar uma embaixada da
Arábia Saudita”.
Entre
as “outras coisas”, quase com certeza, estava um negócio de venda da
heroína que seria controlada por oficiais do Corpo de Guardas
Revolucionários da Revolução Islâmica [ing. Islamic Revolutionary Guards Corps (IRGC)].
Três repórteres da rede Bloomberg, citando “um oficial da DEA”,
escreveram que Arabsiar teria dito ao informante da DEA que
representaria iranianos “que controlam o contrabando de drogas e podem
fornecer toneladas de ópio”.
O
ópio que sai do Afeganistão passa pelo Irã. Por isso, as autoridades
policiais iranianas são responsáveis por 85% de todo o ópio apreendido
no mundo, segundo a Agência de Notícias Fars, do Irã. Nessas
circunstâncias, não é inverossímil que haja pessoal da segurança
iraniana, inclusive oficiais da Força Qods, em condições de vender ópio a
traficantes do Oriente Médio, da Europa e do Novo México.
Já
se sabe que os cartéis mexicanos já têm contato com traficantes do
Oriente Médio e, em vários casos, já têm pessoal posicionado em vários
locais do Oriente Médio, para coordenar a produção e a venda de heroína,
segundo relatório distribuído em janeiro pela rede Border Beat, agência
de notícias online organizada pelos estudantes de jornalismo da Universidade do Arizona.
Mas,
no relato do FBI sobre os contatos entre Arabsiar e o informante da DEA
não se lê qualquer referência a discussão sobre drogas.
A
queixa-crime trata de um número não especificado de encontros entre
Arabsiar e o informante da DEA, no final de junho e nas duas primeiras
semanas de julho.
O
que foi discutido nesses encontros é, esse sim, o grande mistério de
todo o caso. Sobre tudo isso, a única versão que se conhece é o relato
de um informante da DEA, ao FBI, que o agente especial do FBI apresentou
em depoimento ao juiz, na queixa-crime.
Pelo relato do FBI, o informante (citado na queixa-crime como “CS-1”)
diz que “ao longo de vários encontros, Arabsiar explicou ao CS-1 que
seus companheiros no Irã haviam discutido várias missões violentas das
quais CS-1 e os criminosos [que Arabsiar supunha que fossem] seus
companheiros seriam encarregados de realizar.”
O
relato do FBI diz que a missão discutida seria o assassinato do
embaixador. Mas não há qualquer registro de proposta, ou de
assentimento, que possa ser atribuída a Arabsiar. No documento, lê-se
que “Antes do encontro do dia 14 de julho, o CS-1 relatou que ele e
Arabsiar discutiram a possibilidade de ataques contra vários tipos de
outros alvos”.
Esses
alvos são “dentre outros, instalações de governos estrangeiros
associados à Arábia Saudita e a outro país, dentro e fora dos EUA” – sem
qualquer referência ao embaixador saudita.
A
linguagem e a ausência de qualquer declaração atribuída a Arabsiar
indicam que o iraniano-norte-americano nada disse sobre assassinar o
embaixador saudita, exceto em respostas a sugestões feitas pelo
informante, que já estava trabalhando como agente da DEA, infiltrado no
cartel mexicano.
O
FBI reconhece, em nota de rodapé, que o informante da DEA já havia sido
acusado de crime relacionado ao tráfico de drogas em outro estado dos
EUA e passara, depois disso, a colaborar em investigações da DEA –
infiltrado naquele cartel mexicano – em troca do perdão para os crimes
que fora acusado [3]. O FBI nada diz, um silêncio eloqüente, sobre se essa conversa teria sido gravada, ou não.
Ex-funcionário
do FBI, que conhece bem os procedimentos do Bureau nesses casos e que
falou ao Inter Press Service (IPS) sob condições de anonimato, disse que
o FBI, normalmente, em reuniões associadas à possibilidade de ataque
terrorista, sempre grava todas as conversas.
A
ausência de qualquer transcrição de gravações em todas essas reuniões
sugere que a verdade não é a que está sendo contada pelo governo Obama e
pelo FBI.
A
queixa-crime declara, explicitamente, que todas as conversas, nas
reuniões dos dias 14 e 17 de julho foram gravadas, por ordem do FBI. Mas
se se leem as transcrições dessas gravações (as que estão reproduzidas
na queixa-crime1), o que se vê é o informante da DEA tentando
induzir Arabsiar a dizer que concordava com o plano para assassinar o
embaixador saudita.
O
informante da DEA diz que precisaria de “pelo menos quatro homens” e
“mandaria o um vírgula cinco [milhão de dólares], pela Arábia Saudita”.
Diz: “vá em frente e comece a trabalhar sobre a Arábia Saudita, pegue
toda a informação de que precisamos.”
A
certa altura, o informante da DEA diz: “Você só quer o... o principal
sujeito”. Ao final da reunião, o informante da DEA repete: “Vamos
começar pelo sujeito principal.”
A
evidência de que não haja nenhuma frase de Arabsiar em que ele concorde
com assassinar o embaixador, nem, muito menos, que a proposta de
assassinato tenha partido dele, sugere que ou Arabsiar não concordou com
o assassinato ou que falavam, de fato, não de assassinato, mas de outro
assunto, que poderia ser a transação do ópio, com o cartel.
As
frases gravadas ditas por Arabsiar, em conversa por telefone dia 2 de
setembro, sobre o cartel “ter o número do cofre” e “depois que você abre
a porta, está feito”, podem bem referir-se a um negócio de drogas que
estivesse sendo discutido, por mais que o relato do FBI insista que as
frases referir-se-iam ao assassinato e a “outros projetos” com o grupo
iraniano.
Na
reunião do dia 17 de julho, o informante da DEA apresentou um plano
para explodir um restaurante e matar o embaixador, com outras 100-150
possíveis vítimas (o relato do FBI sugere que nem todas essas mortes
abalariam Arabsiar).
Em
visita ao Irã em agosto, Arabsiar fez duas transferências de dinheiro,
num total de 100 mil dólares, para uma conta bancária em New York. Tudo
sugere que ainda supusesse que negociasse com o cartel.
O Washington Post noticiou
na 5ª-feira, que Arabsiar disse a um amigo iraniano-norte-americano de
Corpus Christie, Texas, que “vou fazer um bom dinheiro”.
Também
há provas circunstanciais de que Arabsiar pode até ter sido envolvido
na “armação”, para incriminar seu primo Gholam Shakuri, no “complô
terrorista”[4].
Arabsiar
encontrou o primo Shakuri no final de setembro e disse a ele que o
cartel estava querendo que ele, Arabsiar, fosse pessoalmente ao México,
para garantir o pagamento. É conversa que pode não passar de ideia do
FBI para envolver Shakuri e seus associados em Teerã, e demonstrar que
estariam envolvidos no assassinato.
Consta
do relato do FBI que Shakuri disse a Arabsiar que ficaria responsável
por si próprio, se fosse ao México. Mesmo assim, Arabsiar viajou ao
México como que indiferente ao fato de que estaria negociando, sozinho,
com um dos cartéis mais violentos do México.
Depois
de preso, dia 20 de setembro, Arabsiar abriu mão do direito de ser
assistido por um advogado e fez confissão completa. Alguns dias depois,
telefonou ao primo Shakur, telefonema que foi gravado “por ordem dos
agentes da DEA”, segundo o relato do FBI.
Notas dos tradutores
[2] Sobre esse documento, lê-se hoje em “Furos no ‘complô’ iraniano” (em : “Primeiro (e foi o que me chamou a atenção no primeiro momento, e levou-me a examinar todo o processo), essa é uma queixa emendada.
Significa que houve outra queixa anterior. Mas a queixa anterior não
está no processo. Não só não está no processo, como o processo começa
com a prisão, dia 29/9 (veja que o processo anota duas datas de prisão:
no dia 29/9 e no dia 11/10), mas a numeração das páginas começa com a
queixa emendada. A queixa inicial teria de estar incorporada na
numeração das páginas, e a queixa emendada deveria estar na página 8, ou
9, ou outra. Nunca houve queixa emendada na página 1 de qualquer
processo. Há duas explicações possíveis. Primeiro, houve outra queixa
anterior – por exemplo, com acusações por envolvimento no tráfico de
drogas. Ou, então, Arbabsiar foi acusado de várias crimes quando foi
preso dia 29/9, mas depois de 12 dias de prisão, pode ter resolvido
cooperar; e então foi acusado de outro crime e a nova queixa crime
incorporava acusações contra Ali Gholam Shakuri, baseada exclusivamente
no que Arbabsiar disse e em conversar codificadas entre Arbabsiar e o
primo, que aconteceram depois de Arbabsiar já estar preso”
(tenente-coronel da reserva Anthony Shaffer).
[3] Nota de rodapé:
“CS-1 é fonte confidencial paga. Antes, CS-1 foi acusado em crime de
comércio de narcóticos por um estado dos EUA. As acusações foram
retiradas, em troca da cooperação de CS-1. CS-1 já cooperou com
informação confiável e comprovada por vias independentes, que levou a
várias apreensões de drogas contrabandeadas. CS-1 tem sido pago pela
DEA, em troca do trabalho que faz”.
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