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luisnassif, dom, 16/10/2011 - 08:00
Por Webster FranklinDa Carta Maior
Milhares protestam na Europa contra ditadura do mercado
Dezenas
de milhares de manifestantes saíram às ruas em importantes capitais
europeias na jornada "unidos por uma mudança global". Maiores atos
ocorreram em Bruxelas, Madri, Barcelona, Roma e Londres. Para Jon
Aguirre Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da Espanha, o
alcance e a extensão dos protestos “demonstra que não se trata de um
tema que diz respeito unicamente aos espanhóis, mas sim ao mundo
inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em escala global, a
resposta, então, é mundial”. A reportagem é de Eduardo Febbro, direto de
Bruxelas.
Eduardo Febbro - Direto de Bruxelas“A
bolsa ou a vida!” O cartaz colocado na fachada do edifício da Bolsa de
Bruxelas serviu de fio condutor da jornada “unidos por uma mudança
global” que reuniu dezenas de milhares de pessoas em todo o planeta
neste sábado. Ao longo trajeto pela capital belga, cada vez que os cerca
de 7 mil manifestantes passavam por um banco ou qualquer outra
instituição financeira um coro de vaias e gritos em todos os idiomas
possíveis rompia o consenso festivo da marcha. Assim como em outras
capitais do mundo, a impunidade dos bancos foi o alvo principal da
manifestação popular. “Culpables, ladrones cabrones”, gritava um
enraivecido senhor belga de aproximadamente 50 anos que aprendeu com um
indignado espanhol a dizer essas palavras em castelhano. Quando a marcha
chegou à sede da bolsa, a gritaria se tornou um slogan comum:
“Culpados!”.
Logo em seguida, os indignados vindos de vários
países da Europa lançaram uma chuva de sapatos contra o edifício da
Bolsa, ante o olhar atônito e cheio de incompreensão dos jornalistas
belgas que cobriam o evento. Um imenso fosso segue separando os círculos
oficiais dos meios de comunicação e os milhares de jovens e adultos que
saíram às ruas para expressar seu rechaço e sua repugnância frente a um
sistema mundial que protege e subvenciona os ladrões e castiga as
vítimas com todo o peso da irresponsabilidade e da indolência.
Ao
longo da marcha, os indignados colaram dezenas de adesivos nos caixas
automáticos de bancos, fizeram uma parada na Praça de Burckère, lançaram
muitos insultos na frente da sede do banco Euroclear – a instituição
pretende demitir 500 pessoas – sem cansar-se jamais de cantar o hino
mundial das marchas: “We are the 99%”, ou seja, os 99% da humanidade
vítima da barbárie social perpetrada sim piedade “por esses senhores de
gravata, salários de reis e contas bancárias com dinheiro que não
pertence a eles”, segundo disse André, um jovem belga com diploma de
engenheiro de redes, mas sem trabalho. A medida que ia passando o tempo e
os números da participação em outras cidades do mundo iam chegando aos
seus ouvidos, os indignados celebravam e aplaudiam o êxito e a
visibilidade planetária do movimento. “Não somos nem marionetes, nem
mercadoria do liberalismo, somos gente com consciência, e que estamos
para que nos vejam”, disse Antonio, um indignado espanhol que se
expressavam com orgulho e em um tom alto de voz.
Jon Aguirre
Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da Espanha, que
impulsionou o movimento do 15M, resumiu muito bem a situação quando
explicou que o alcance e a extensão dos protestos “demonstra que não se
trata de um tema que diz respeito unicamente aos espanhóis, mas sim ao
mundo inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em escala global, a
resposta, então, é mundial”. Até os mais aguerridos militantes contra o
sistema financeiro mundial observam espantados a forma como que,
paulatinamente, os protestos contra o sistema financeiro, o repúdio à
forma que foi reduzida a democracia, vem ganhando as capitais do mundo.
Neste
sentido, o economista Thomas Coutrot, co-presidente do movimento ATTAC,
assinalou que “o que está acontecendo é um fenômeno muito promissor. Os
cidadãos já não querem delegar as decisões aos políticos e aos
partidos. Querem influenciar. É uma espécie de retorno às fontes da
democracia”.
“Os países da zona euro puseram 160 bilhões de euros
para salvar a Grécia sem consultar ninguém, e isso em um momento em que
os sistemas sociais da Europa está afundando sob o peso dos cortes
orçamentários. Isso não é democracia”, disse, colérico, Jean, outro
jovem indignado belga. Ao lado dele, na concentração diante da bolsa,
Javier, um indignado espanhol que veio a Bruxelas há uma semana para
participar das oficinas sociais organizadas desde o domingo passado,
completou o panorama com cifras mais concretas: “Se fazemos um balanço,
dá calafrios; os estados europeus entregaram 5,3 trilhões de dólares
para resgatar os bancos da crise. Nenhum Estado consultou a população,
ou seja, quem vota naqueles que estão no poder. Essa soma equivale a 16
vezes o valor da dívida da Grécia e é mais de 400% do que todos os
países da União Europeia gastam, juntos, em educação ou saúde pública.
Estão nos tomando como idiotas!”.
Os argumentos destes indignados
deixam em uma posição ridícula o punhado de contra-manifestantes que se
concentraram no início da marcha para protestar contra os indignados.
Era um grupo de dândis, vestidos como tais, a quem um indignado disse:
“se vocês não nos deixam decidir, nós não deixaremos vocês dormir”. Com
alguns incidentes, vidros quebrados, mas sem choques fortes com a
polícia, a marcha belga se dirigiu para o ato final no Parque do
Centenário. “Aqui estamos, e somos muitos”, disse Pierre, um indignado
francês que caminhou desde Tolouse até Bruxelas. “Estamos aqui, em Roma,
Madri, Washington, Nova York, México, Nova Déli, Berlim, Paris, onde
seja. Os poderosos do mundo trabalham para um pequeno grupo de amigos,
ignorando a vontade popular. Essa lógica nos levou è hactombe que
estamos vivendo. Isso acabou”.
O 15-O levantou boa parte do
planeta, com maior ou menor êxito segundo o lugar. Em Roma, o protesto
ultrapassou as intenções dos indignados. Sob uma enorme faixa que dizia
“Povo da Europa, de pé”, dezenas de milhares de italianos encheram as
ruas da capital italiana expressando sua indignação. Estudantes,
políticos e representantes de associações civis percorreram Roma com
globos e cartazes em uma caminhada pacífica até que um pequeno grupo de
violentos semeou o caos no centro da cidade. Os incidentes aconteceram
perto da estação de trens Roma Termini, na Via Merulana. Não restam
dúvidas de que os distúrbios foram provocados pelo que se conhece como
“profissionais da provocação urbana”.
Cerca de 200 manifestantes
violentos queimaram automóveis, quebraram caixas automáticos, saquearam
vitrines e incendiaram um anexo do Ministério da Defesa. Os distúrbios
deixaram um saldo de 70 feridos. Nada disso ocorreu em Londres. A marcha
londrina iniciou em um clima festivo, mas com episódios engraçados
devido à corrida de gato e rato entre a polícia e os manifestantes. A
Scotland Yard protegeu com um muro de policiais o objetivo final dos
manifestantes, a saber, a Bolsa de Valores de Londres. Os manifestantes
conseguiram rodear a bolsa, mas sem maiores incidentes. Ante a surpresa
geral, Julian Assange, fundador de Wikileaks, detido na Grã-Bretanha a
espera de uma decisão judicial sobre o pedido de sua extradição para a
Suécia, somou-se aos manifestantes. Assange disse á multidão que estava
ali em “solidariedade com os movimentos que estão ocorrendo no mundo
inteiro” e porque “todos queremos que haja um pouco de justiça no
sistema financeiro mundial”.
Madri e Barcelona também foram
cenário de mobilizações impressionantes. Em Madri, os indignados lotaram
a praça Cibeles e voltaram a ocupar a Porta do Sol, símbolo histórico
dos protestos do 15M. Os indignados da capital espanhola puseram em cena
um “escudo anti-mercados”. Cada manifestante levantou o amuleto que
tinha na mão para afuguentar a “magia negra” dos mercados. Em Barcelona,
dezenas de milhares de pessoas se concentraram na Praça da Catalunha
com o mesmo propósito que animou manifestações no resto do planeta. A
única diferença radica em uma cifra: o desemprego dos jovens na Espanha é
de 20,89%.
Curiosamente, na França, o país de Stéphane Hessel,
autor do livro “Indigne-se”, que deu nome ao movimento através do mundo,
as marchas tiveram um impacto limitado. Em Paris houve vários grupos de
manifestantes que convergiram para a sede da Prefeitura, onde
realizaram uma Assembleia Popular. Os indignados se reuniram também em
uma dezena de cidades do país, mas sem alcançar jamais a intensidade de
outras cidades do mundo. Os analistas explicam a escassa mobilização
pelo fato de que o desemprego da juventude é menor e que, globalmente a
situação é melhor do que a da Espanha ou Itália. No entanto, o sistema
financeiro goza dos mesmos privilégios e da mesma impunidade em Londres,
Madri ou Nova York. O 15-O demonstrou que o espírito da revolta e da
indignação semeado há sete meses na Praça do Sol irradia hoje em todo o
planeta enquanto os dirigentes políticos guardam um silêncio de mortos
ante o desfile das dezenas de milhares de seres vivos que marcham com a
mesma consigna: “Basta, Ladrões!”.
Tradução: Katarina Peixoto
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18707
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