Faoro. Uma lição preciosa: constituintes não se seguem necessariamente a rupturas |
Não houve na imprensa brasileira foco mais acertado sobre a reação da
presidenta em atenção à voz das ruas. Ele se expressou no diário carioca
O Dia, na terça-feira 25. No caminho inverso da motivação que levou à
formação de passeatas, o jornal, de viés popular, ilustrou sua primeira
página com a manchete: “Dilma vai às ruas”.
Os dias seguintes confirmaram esse caminho inicial, mas no meio do
caminho havia pedras. Muitas pedras. Assim, a presidenta Dilma Rousseff
se movimentou nos limites do cargo e limitada à tese liberal de que é
preciso haver ruptura para a criação de uma Constituinte.
De qualquer forma, essa mudança no comportamento popular criou uma
situação inédita no País. O povo não foi mobilizado por líderes ou
partidos políticos. Rompeu amarras e decidiu influir. Nesse ponto
atingiu a maioridade.
Os governantes, de alto a baixo, temeram. A polícia, fiel à origem de
surrar o povo inquieto, baixou o pau. Foi forçada, porém, a recuar e
aposentar até mesmo as balas de borracha. Oficialmente, no saldo do
conflito, foram presas, em todo o País, quase mil pessoas. Seriam todos
arruaceiros?
No calor dos acontecimentos, Dilma, tocada pelas cenas transmitidas para
o Brasil e para o mundo, “juntou-se” ao movimento. Anunciou decisões e
propôs a formação de uma Constituinte restrita, no entanto, à tarefa de
fazer a reforma política.
A presidenta foi freada. Recuou e não avançou. Tinha condições políticas
adequadas de propor ao Congresso a convocação de uma Assembleia
Nacional Constituinte exclusiva e escolhida paralelamente à eleição
presidencial de 2014. Já então distanciada do calor dos acontecimentos.
“Sem a plenitude da participação do povo, o governo não será nunca um
governo constitucional, mas governo de fato, dissimulado em aparências
constitucionais ou sem essas aparências”, diz o jurista e historiador
Raymundo Faoro, em Assembleia Constituinte – A legitimidade recuperada.
Faoro desfez o mito resgatado agora e, de novo, no tabuleiro das
decisões. O mito sustenta que as constituintes devem seguir-se
necessariamente a rupturas. É uma mentira histórica para “quem conhece
alguma coisa da história contemporânea”. Assim Faoro espicaça os
analistas contemporâneos.
“A Constituinte dissolvida em 1823 foi convocada em 3 de junho de 1822,
portanto, antes da Independência, exatamente para organizar o berço em
que esta deveria nascer (...) A Constituinte eleita em 2 de dezembro de
1945 foi convocada por Getúlio Vargas em 28 de fevereiro do mesmo ano,
ainda vigente o Estado Novo...”
No movimento das ruas não se projeta uma revolução. Há uma aspiração por
mudanças profundas descoladas do processo político fraudulento e
viciado.
Esse sentimento guia o barulho das multidões nas ruas e o silêncio dos
que ainda não se manifestam. Por ora, talvez possam sufocar os anseios.
Sem mudanças profundas, no entanto, haverá uma próxima vez. Eles
voltarão.
Injustiça
Se houvesse no País um prêmio por demérito, o ministro José Eduardo
Cardozo, da Justiça, levaria o troféu. Ele resiste a homologar a anistia
de 190 funcionários do Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro. Punidos
na ditadura, a Comissão de Anistia reconheceu o direito deles a uma
indenização.
Parece que o ministro não se preocupa com os habitantes do Brasil de baixo.
Aonde vais, Joaquim?
O canal fechado GloboNews abriu espaço para a entrevista de 40 minutos
do ministro Joaquim Barbosa, após encontro dele com a presidenta Dilma
Rousseff.
Barbosa tem sido testado em pesquisas como candidato a presidente e
declarou na ocasião que os partidos políticos brasileiros estão falidos.
Na oportunidade, pregou a criação de candidatos avulsos a todos os cargos. Coincidência ou descuido planejado, ministro?
O inimigo mora ao lado
Manifestantes acampados perto da casa do governador Sérgio Cabral, no
Leblon, zona sul do Rio, não sabem que, ao lado, habita Jérôme Valcke,
secretário-geral da Fifa, um dos alvos do movimento.
Ocupa um apartamento de mil metros quadrados, que pertencia ao empresário John Casablancas, da Elite Model.
Hoje, o imóvel é de Ronaldo Fenômeno. Ele entrega por uma bagatela em torno de 40 milhões de reais.
Nau de Cabral I
Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio, quer a cabeça do senador
Lindberg Farias (PT) a qualquer preço. Lindberg, eleito senador em 2010,
pretende disputar o governo estadual em 2014, rompendo uma aliança de
oito anos com Cabral.
Pesquisa Vox Populi mostra que o petista, com 23,5% das intenções de
voto, tem grande vantagem sobre o candidato de Cabral, o vice-governador
Luiz Fernando Pezão, com 9,1%.
Mas quem puxa a corrida é o ex-governador Anthony Garotinho, com 26,3%.
Ele faz o papel de “coelho”, que sai na largada e abandona a corrida.
Nau de Cabral II
A tabela de rejeição mostra que, até agora, são poucas as chances de
Pezão, o candidato do governador. Pezão, pouco conhecido na capital e na
Baixada Fluminense, onde se concentram 70% dos votos do estado, tem
5,5% de rejeição.
Garotinho, ex-governador, lidera a lista dos rejeitados com 21%. Cabral
ameaça, da boca para fora, deixar Dilma sem palanque no Rio de Janeiro.
O petista Lindberg é hoje o favorito. Além do bom porcentual de intenção de voto, tem baixo índice de rejeição (3,8%).
Provocar não ofende
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos mete o dedo na ferida:
“Em momentos de crise e de tensão, propostas de reforma política sempre
foram diversionistas. Se os políticos brasileiros estão desmoralizados,
de que país seriam importados candidatos íntegros à assembleia
reformista?”
Demagogia hedionda
Transformar corrupção em crime hediondo é forçar uma homenagem da
virtude à hipocrisia. Pode ser que a lei pegue bagrinhos. Nunca pegará
tubarões. Essa reação é similar àquela que vê a pena de morte e a
redução da idade penal como ações eficazes contra a violência.
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