As manifestações ficaram órfãs de uma boa música-tema (o que talvez não seja uma má notícia).
No DCM
Nenhuma música captou o espírito das manifestações.
A que ficou mais vinculada a elas, ironicamente, é um jingle da Fiat
cantado por Falcão, do Rappa. “Vem Pra Rua” foi composta para a Copa das
Confederações, portanto, antes das passeatas. Acabou ligada, de alguma
maneira, aos protestos – mas não que fosse a trilha sonora de fato. Na
verdade, se as multidões entoavam algum verso, eram os do Hino Nacional e
olhe lá.
Na tentativa de ocupar esse espaço, Latino compôs “O Gigante Acordou”.
Padrão Latino, ou seja, abaixo da crítica. Apesar disso, ninguém bate o
trio formado por Seu Jorge, Gabriel Moura e Pretinho da Serrinha. Na
quarta-feira, 26 de junho, eles lançaram no YouTube “Chega (Não é Pelos
Vinte Centavos)”.
Não é só o timing que é equivocado. A composição é um primor de falta de
noção. Desde Agepê ninguém rimava “respeito” com “direitos”, “cara” e
“rara”, “saúde” e “atitude”, “impunidade” e “desigualdade” com essa
desfaçatez.
Seu Jorge e Moura eram colegas no grupo Farofa Carioca, banda cult
elogiada sobretudo por quem nunca a ouviu. Pretinho da Serrinha, novo
protegé de Caetano Veloso, parece constrangido entre os dois colegas. É
evidente que, apesar de seus esforços, eles não entenderam o que
aconteceu – e, se bobear, assistiram as manifestações da sala do
apartamento.
Como no caso de Pelé, que entrou de forma desastrada no debate, alguém
podia tê-los aconselhado a ficar calados: “Olha, legal a ideia, bonita a
intenção, mas o momento já é outro. Não dá pra mandar todo mundo pra
rua se o pessoal está voltando pra casa. É ou não é, galera? Que tal o
‘Samba do Impeachment’? Hem, hem?”. Num caso extremo de ninguém
concordar, talvez fosse o caso de quebrar um cavaquinho e simular um
enfarto.
“Chega” é a pior canção de protesto de todos os tempos. Falta-lhe de
tudo um pouco: uma letra que retrate de modo original o que acontece no
Brasil; uma melodia assobiável; uma boa interpretação; a hora certa.
Esse movimento não consagrou nenhuma canção. Não houve uma “Pra Não
Dizer que Não Falei das Flores”, uma “Vai Passar” ou algo do tipo. Não
chega a ser, obviamente, um problema. Além do mais diante das
alternativas apresentadas.
Kiko NogueiraNo DCM
Nenhum comentário:
Postar um comentário