Depois das bombas, das cacetadas e das balas de borracha, das
trapalhadas, das frases infelizes, das incompreensões mútuas, já se pode
perceber claramente quem quer a mudança e quem quer conservar tudo como
está em nosso sistema político.
Até uma criança já sabe que o Congresso não quer e não vai fazer uma
reforma política que afaste o poder econômico dos partidos, garanta uma
transparência maior à eleição e maior representatividade a nossos
partidos. Não é uma questão de adivinhação, de análise, mas de memória.
Sempre que o debate chegou a esse ponto, das medidas concretas de
mudança, aquela maioria gelatinosa que domina a política brasileira em
tantos aspectos fundamentais se manifesta para manter tudo como está. A
última vez foi em março deste ano, quando uma frente partidária matou a
possibilidade, ainda que ela tivesse condições de andar pelo plenário.
Foi para enfrentar essa fortaleza irresistível, que está além das
alianças de governo e da fidelidade partidária, que surgiu a proposta de
plebiscito.
A ideia é muito simples: o povo aprova, em urna, as linhas gerais das
propostas de mudança. Em seguida, os parlamentares, seguindo os
princípios definidos pelo voto popular, se encarregam de transformar a
vontade do povo em lei.
Com esse apoio direto da população, é possível, entre outras medidas,
eliminar a contribuição das empresas para campanhas, que permite ao
poder econômico alugar o Estado a seus interesses.
Ao contrário do que sugerem nossos moralistas, a origem da corrupção
encontra-se aí, neste caminho aberto para negócios clandestinos e tramas
interesseiras à sombra do Estado. Não é falta de princípios. São as
regras do negócio – inclusive eleitoral.
É compreensível que, nessa circunstância, aqueles que querem impedir uma
reforma verdadeira já tenham se alinhado com uma orientação simples:
impedir o plebiscito.
Vão fingir e dissimular. Vão gritar chavismo, peronismo, e até, quem sabe, lulismo. Não importa.
O objetivo é estratégico. Sem essa vontade popular expressa em urna,
enterra-se aquilo que não lhes interessa. No fundo, no fundo, se tudo
ficar como está, talvez com uma ou outra maquiagem, já está muito bom.
Sem plebiscito, chega-se ao mais importante, que é manter o povo,
impotente, fora dos debates. A reforma se resolve dentro dos muros do
Congresso – e nós sabemos muito bem os interesses que prevalecem nessa
situação. São os mesmos que prevaleceram até agora. Aí, se faz um
referendo e todos voltam para casa depois de um piquenique no parque.
O problema, em tempos atuais, é que é muito difícil assumir o próprio conservadorismo.
O conservadorismo escancarado compromete a máscara que permite a um
neoliberal se apresentar como libertário, apontando o Estado de
Bem-Estar Social como forma de opressão e o Estado mínimo como
libertação.
O programa de reforma eleitoral dessa turma é contribuição privada para
campanha e voto facultativo. Querem transformar o Estado numa ONG, quem
sabe um clube.
Não querem que o povo tenha o direito de escolher como se dá o acesso ao Estado.
Este é o debate, agora.
Paulo Moreira leite
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