Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
Plebiscito pode economizar bilhões
Em minha humilde ignorância, confesso que não entendo quem diz que o plebiscito sobre reforma política pode custar caro demais. Meio bilhão, disse alguém.
Até ministros do STF tocaram neste assunto.
Data Venia, eu acho estranho.
Falar em meio bilhão ou até mais é falar de uma pechincha.
Nós sabemos que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais caros
do mundo. Isso porque é um sistema privado, em que empresas particulares
disputam o direito de alugar os poderes públicos para defender seus
interesses em troca de apoio para seus votos. As estimativas de gastos
totais – é disso que estamos falando -- com campanhas eleitorais
superam, com facilidade, meio bilhão de reais. São gastos que ocorrem de
quatro em quatro anos, aos quais deve-se acrescentar uma soma
imponderável, o caixa 2. Sem ser malévolo demais, não custa recordar que
cada centavo investido em campanha é recuperado, com juros, ao longo do
governo. Quem paga, mais uma vez, é o contribuinte.
O debate não é apenas este, porém.
Um plebiscito pode dar um impulso decisivo para o país construir um
sistema de financiamento público, em que os recursos do Estado são
empregados para sustentar a democracia – e não negócios privados.
Explico. Nos dias de hoje, o limite dos gastos eleitorais é dado
pelo volume dos interesses em jogo. Falando de um país com um PIB na
casa do trilhão e uma coleção de interesses que giram em torno do Estado
na mesma proporção, você pode imaginar o que está em jogo a cada
eleição.
Bancos contribuem com muito. Empreiteiras e grandes corporações,
também. Como a economia não é feita por anjos nem a política encenada
por querubins, o saldo é uma dança milionária na campanha. Troca-se o
dinheiro da campanha pelo favor do governo. Experimente telefonar para o
gabinete de um simples deputado e pedir para ser atendido. Não passará
do cidadão que atender o telefone e anotar o recado, certo?
Mas dê um milhão de reais para a campanha deste deputado e conte no
relógio os segundos que irá esperar para ouvir sua voz ao telefone. Não
é humano. É político.
Não venha me falar que isso acontece porque o brasileiro está
precisando tomar lições de moral na escola e falta colocar corruptos na
cadeia em regime de prisão perpétua.
O sistema eleitoral norte-americano é privado, os poderes públicos
são alugados por empresas de lobistas e muito daquilo que hoje se faz
por baixo do pano, no Brasil, pode-se fazer às claras nos EUA.
A essência não muda, porém. Empresas privadas conseguiram impedir
uma reforma do sistema de saúde que pudesse atender à maioria da
população a partir de uma intervenção maior do Estado, como acontece na
Europa. Por causa disso, os norte-americanos pagam por uma saúde mais
cara e muito menos eficiente em comparação com países de desenvolvimento
semelhante.
A força do dinheiro privado nos meios políticos explica até
determinadas aventuras militares, estimulando investimentos
desnecessários e nocivos ao país e mesmo para a humanidade.
Só para lembrar: na Guerra do Iraque, que fez pelo menos 200.000
mortos, George W. Bush beneficiava, entre outros, interesses dos
lobistas privados do petróleo, negocio dos amigos de sua família, e de
empresas militares, atividade do vice Dick Cheney.
Essa é a questão. A reforma política poderá consumar a necessária
separação entre dinheiro e política, ao criar um sistema de contribuição
pública exclusiva para campanhas eleitorais, ponto decisivo para uma
política feita a partir de ideias, visões de mundo, valores e propostas –
em vez de interesses encobertos e fortunas de bastidor.
Pense na agenda do país para os próximos anos. Os interesses
privados, mais do que nunca, estarão cruzados no debate público.
Avançando sobre parcelas cada vez maiores da classe média e dos
trabalhadores, os planos privados de saúde só podem sobreviver com
subsídios cada vez maiores do Estado. O mesmo se pode dizer de escolas
privadas.
Não se trata, é obvio, de uma batalha fácil. Não faltam lobistas
privados para chamar o financiamento público de gigantismo populista e
adjetivos do gênero. Eles não querem, na verdade, perder a chance de
votar muitas vezes. No dia em que vão à urna, como eu e você. No resto
do mandato dos eleitos, quando pedem a recompensa por seus favores.
Com este dinheiro, eles garantem um privilégio. Impedem a construção de um país onde cada eleitor vale um voto.
Os 513 congressistas que irão debater a reforma política são filhos
do esquema atual. Todos têm seus compromissos com o passado e muitos se
beneficiam das receitas privadas de campanha para construir um
patrimônio pessoal invejável. As célebres “sobras de campanha” estão na
origem de muitas fortunas de tantos partidos, não é mesmo?
O plebiscito é um caminho para se mudar isso. Permitirá um debate
esclarecedor a esse respeito. Caso o financiamento público seja
aprovado, colocará a opinião da população na mão dos deputados que vão
esclarecer a reforma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário