sábado, 29 de junho de 2013

A semana em que a passeata dos 100 mil se transformou em marcha com Deus pela família

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Jovens lotam a Cinelândia e desfraldam a bandeira do Brasil na fachada do Theatro Municipal do RJ. – Foto: Ana Helena Tavares.
Por Ana Helena Tavares(*)
Mussolini deve estar às gargalhadas no túmulo. Fui às ruas para defender a legalidade – porque é nas ruas que ela tem que ser defendida, concordaria Brizola – e acabei sendo chamada de fascista simplesmente por ter ido às ruas. Mas é compreensível. O Brasil viveu uma semana de dois extremos – e eu poderei contar aos meus netos que estive presente em ambos.
Na segunda-feira, 17 de Junho de 2013, fui às ruas encantada com o fervor da garotada que luta pelo Passe Livre. Foi lindo (assista aqui), mas, ao final, filmei dois jovens contando que foram agredidos pela PM por nada (assista aqui). Um filme que eu nem precisava ver, já que, tristemente, é tão repetitivo. Se a juventude é impedida de ter voz, pela mão autoritária de um Estado policialesco, como deslegitimar sua rebeldia?
Na quinta-feira, 20 de Junho, fui às ruas para defender meu direito de protestar – o meu e o de todos os que nos dias anteriores foram brutalmente impedidos. Mas aquele dia foi diferente. Conheci ali uma pessoa que não havia ido na passeata de segunda-feira – e era a primeira vez que ela participava de “qualquer coisa política”, segundo palavras dela. Desorientada, ela não sabia o que estava fazendo ali. Apenas queria estar.
Conversei com ela, tentando convencê-la sobre a importância dos partidos políticos. Não sei se ela entendeu. Mas muitos ali não entenderam. Vi bandeiras vermelhas serem pisoteadas e foi uma das cenas mais tristes da minha vida. Não por serem vermelhas, mas por serem bandeiras.
Diversos veículos de comunicação deram destaque a uma foto de um sujeito mordendo que nem um louco a bandeira do PT para rasgá-la. É a perversão definitiva do jornalismo.
Se, nesses 10 anos no poder, o PT tivesse conseguido democratizar as comunicações, bandeira abandonada pelo ministro Paulo Bernardo, e se parte da militância petista não tivesse se afastado das ruas, talvez nada disso tivesse acontecido.
Dilma, mais ou menos com a minha idade, encarou militares que esconderam os rostos. No pronunciamento da noite de sexta-feira, 21 de Junho, ela encarou com firmeza mascarados sem rumo, mas faltou criticar a ação de uma polícia que tentou calar jovens com métodos muito parecidos àqueles da ditadura.
O Itamaraty em chamas e a violência que se generalizou por todo o Brasil não podem ser colocados somente na conta dos manifestantes. Isaac Newton quando fez a lei da ação e reação certamente pensou que repressão gera pressão.
Seria ingênuo demais achar que a massa atiçada nas ruas não iria dar nisso. O aprendizado da democracia é um processo demorado, mas merece ser processo sem volta.
E o povo, ao que me pareceu nos dois atos, não está disposto a perder as garantias constitucionais que nosso país conquistou com tanto sangue. Na quinta-feira, porém, os que não foram na segunda acharam que podiam se apoderar de um movimento legítimo em sua origem.
Eu me senti nitidamente tendo ido à passeata dos 100 mil num dia e à Marcha com Deus pela Família no outro. Progressismo na segunda, quando havia o foco na luta pela redução do preço das passagens; conservadorismo travestido de revolta na quinta, quando uma miscelânea de temas inundou a Presidente Vargas.
Mesmo assim, da Candelária até a prefeitura do RJ, passei por toda a Presidente Vargas sem, em nenhum momento, ouvir gritos de guerra contra Dilma. Ao contrário, eu e milhares de pessoas gritamos várias vezes, a plenos pulmões, que “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” (assista aqui).
Mas vi, sim, muitos cartazes de “Fora, Dilma!”, que creio representarem manifestações isoladas, tanto que não tiveram força para soltar grito. De fato, durante todo o percurso da passeata, eu só ouvi palavras de ordem contra Cabral e Paes (governador e prefeito do RJ), nada contra Dilma.
Mas a frase “O gigante acordou”, que ganhou força na quinta-feira, é reveladora. Parece tirada de um livro de história, que conta páginas negras. E se faz preocupante por repudiar aqueles que estão acordados há muito tempo.
A Veja, panfleto semanal que ainda acha que é revista, publicou neste sábado, 22 de Junho, uma capa com uma brasileira carregando a bandeira do Brasil em meio ao fogo. E decreta: “os sete dias que mudaram o Brasil”. É uma fixação que eles têm por esse negócio de “mudança”. Basta ver que recentemente fizeram uma capa dizendo que Joaquim Barbosa é “o menino que mudou o Brasil”.
Mas o que eles e os mascarados querem mudar? Querem mudar o tom dos passos. Querem trocar Chico Buarque pela banda de música da UDN.
*Ana Helena Tavares, jornalista, editora do “Quem tem medo da democracia?

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