Ao fim da noite de quinta-feira, recebo uma ligação surpreendente tanto pelo autor quanto pelo que disse. E quem disse – e o que disse – importa menos do que aquilo que a chamada me fez concluir: não dá mais para ficar só analisando e comentando o quadro político. Quem luta há uma década para ajudar a sustentar um projeto político-administrativo que melhorou tanto o Brasil não tem o direito de ficar só reclamando do golpe que busca interrompê-lo.
Este Blog se converteu em uma trincheira dos que discordam de uma
Onda que engolfou o país e que tem produzido muito mais calor do que
luz, se não apenas calor. E o signatário desta página, assim como outros
poucos, aceitou, de bom grado, pagar o preço que as catarses impõem a
quem se recusa a integrá-las. Tudo em prol do país.
Seria muito fácil todos os que divergimos cedermos, integrarmo-nos à
Onda que pretende “mudar o Brasil” marchando pelas ruas “pacificamente”
no começo e selvagemente ao fim sob o argumento de que os selvagens são
“um pequeno grupo”, o qual, porém, pequeno ou não, é tolerado em
praticamente todas essas manifestações, nas quais o desfecho violento já
se tornou previsível, sendo poucas aquelas manifestações em que não
irrompe.
Em um momento de catarse, com as massas hipnotizadas gritando slogans
e exigindo qualquer coisa, e com hordas de soldados da Onda tratando de
reprimir toda e qualquer discordância, valendo-se, para tanto, da
difamação, do deboche e de insultos, a tentação de se omitir, de calar,
de se acovardar, de renegar as próprias crenças é quase irresistível.
Eis porque, ao longo de dezenas de conversas que tive neste fatídico
mês de junho, descobri que muitos dos que compartilham a opinião de que
essas manifestações são orquestradas e têm fins políticos preferiram
subir no muro ou, no limite, adotarem uma causa na qual não acreditam.
Dúzias e mais dúzias de analistas políticos e de cientistas sociais
vêm tentando entender um processo que convulsiona o Brasil e que já
cobra verdadeiras profissões de fé das pessoas, que têm que exaltar tal
processo sob pena de serem excomungadas e banidas, tratadas como
portadoras do que o fascismo sempre considera uma doença contagiosa: a
discordância.
Na última noite, após aquela conversa telefônica dolorosa e
indignante, fui dormir impressionado com uma teoria acadêmica que, posta
em prática, incendiou um país continental, pôs as instituições de
joelho, paralisou a economia e impôs a ela prejuízos imensos que logo
serão conhecidos e, de quebra, matou e feriu pessoas, dividiu
compatriotas, enfim, funcionou como uma Onda gigantesca, uma tsunami que
varre tudo em seu caminho.
A Onda social é uma teoria acadêmica inspirada em fatos reais e que
até virou filme. Die Welle (A Onda) é uma obra alemã. Foi filmada em
2008. O diretor Dennis Gansel inspirou-se no livro homônimo do escritor
americano Todd Strasser sobre um experimento social conhecido como
“Terceira Onda”. O filme foi um sucesso de bilheteria na Alemanha. Mais
de 2 milhões de pessoas o assistiram.
O enredo é eloquente. Em uma escola secundária alemã, um professor
tenta provar que o fenômeno nazista poderia se repetir – e o nazismo,
como se sabe, começou com um movimento de massas que também pretendeu
“mudar” a Alemanha e que, num primeiro momento, conseguiu erguê-la de
uma situação social adversa, mas que degringolou para um dos maiores
horrores que a humanidade conheceu.
Os alunos da escola do filme não acreditam que uma ditadura poderia
ressurgir na Alemanha moderna, então o personagem Rainer Wenger, o
professor daquela turma, propõe a ela realizarem um experimento que, em
sua concepção, mostraria o quão fácil é manipular as massas.
O professor organiza o grupo de alunos em uma marcha que, executada
com perfeita sincronia rítmica, faz com que todos se sintam parte de uma
única entidade. Porém, uma aluna se mostra relutante. Reclama de que o
experimento atenta contra a individualidade e questiona o objetivo, “a
causa” e, por isso, é hostilizada pelos demais e tem que mudar de
classe.
O grupo cria um símbolo, que é espalhado na forma de adesivos ou
pichações por toda a cidade, uma analogia para o vandalismo em curso
hoje no Brasil. No filme, um aluno chega a escalar o prédio da
prefeitura para pichar um logo gigante na fachada. Além disso, o grupo
faz reuniões em que só membros do movimento podem entrar.
Dali em diante, hostilizar os não-iniciados se torna uma prática
incontrolável que, aos poucos, vai descambando para a violência física
como a que se viu na manifestação do último dia 20 na avenida Paulista,
quando grupos que não obedeceram aos ditames dos manifestantes de não
usarem roupas vermelhas foram agredidos violentamente.
A Onda acaba interferindo até na relação do professor
experimentalista com sua esposa, professora na mesma escola que ele. Ela
percebe que o experimento foi longe demais. Inebriado com o sucesso
daquele experimento, porém, o professor acusa a mulher de estar com
inveja de seu sucesso e o casal acaba se separando.
Alunos que não se integraram à Onda vão deixando seus membros cada
vez mais irritados ao pregarem que é preciso fazê-la parar. No caso
desse filme, não havia camisas vermelhas proibidas, como aqui no Brasil,
mas camisas brancas que se tornaram o uniforme obrigatório dos membros
do movimento, e que os distinguiam dos não-iniciados.
No fim, o que importa é que os que se distinguem da massa catártica
por ostentar ou não um símbolo acabam sendo hostilizados por ela. E,
como na vida real (na manifestação supracitada), quem ostenta ou deixa
de ostentar símbolos e, assim, destaca-se da massa, passa a ser agredido
violentamente, seja com palavras ou com golpes.
Abaixo, para quem quiser assistir, a íntegra de Die Welle (A Onda),
legendada. O filme tem uma hora e quarenta e dois minutos de duração.
Sugiro que quem não assistiu, não perca. Mas, antes, peço que o leitor
termine este texto, pois aqui se fará uma exortação a quem discorda e
teme o processo convulsivo em que o país mergulhou.
Proponho, a partir daqui, que façamos um exercício de “especulação”. Inventemos, pois, uma situação hipotética. Digamos que um “cacique” de um partido de extrema esquerda e outro de centro-direita como Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, e José Serra, do PSDB, unam-se contra um inimigo comum. Dois líderes políticos de visões absolutamente antagônicas, mas que simpatizam entre si, inclusive ideologicamente (?!).
O “exemplo” é bastante verossímil quando se sabe que um político que foi fundador do PT e candidato do PSOL à Presidência em 2010, como o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, disse, no fim do ano passado, preferir José Serra (PSDB) a Fernando Haddad (PT) na corrida à Prefeitura de São Paulo.
Da união imaginária desses caciques, suponhamos que surgisse um plano. Apesar de Serra ser visto hoje como um ex-esquerdista que se tornou ultraconservador a ponto de se aliar a cristãos fundamentalistas em 2010 para tentar derrotar Dilma Rousseff, o tucano se une a um dito “socialista” como Plínio, que demonstrou que sua ideologia e a do tucano, inexplicavelmente, são compatíveis a ponto de um apoiar o outro.
O partido de Plínio, como se sabe, tem uma enorme ascendência sobre grupos da USP. Como em A Onda, essa influência sobre estudantes pode permitir a elaboração de um experimento social que acaba sendo posto em prática.
Por que estudantes? Porque é na escola que existe o terreno mais fértil para fomentar Ondas, pois, ao contrário de sindicatos e movimentos sociais, a escola reúne as pessoas diariamente, impondo a elas convivência cotidiana. Some-se a isso a influência de professores como o de A Onda, capazes de mobilizar os que tutelam intelectualmente – e, às vezes, muito mais a fundo.
Os próprios estudantes não se dão conta de uma armação política. Deixam-se emprenhar pelos ouvidos e passam a acreditar na “causa”. Estão, pois, de boa-fé. E é nesse espírito que o movimento deles cresce, ganha as ruas e leva consigo um grupo disposto a fazer a parte “suja” do trabalho, que é tornar as manifestações insuportáveis, com atos de vandalismo e violência, buscando a reação de uma polícia famosa pelo seu despreparo e por seu caráter violento.
A violência policial contra meninos e meninas desperta a solidariedade de toda uma nação, que, indignada, produz hordas de cidadãos sem qualquer consciência política, mas que decidem também ir às ruas embriagados pela beleza inerente a um movimento idealista da juventude.
Como em A Onda, muitos querem sentir-se parte de um movimento vitorioso. A covardia da classe política e o oportunismo de impérios de comunicação conservadores produzem a fórmula perfeita para criar no país um clima de Queda da Bastilha, com o “poder” sendo “tomado pelo povo”. Finalmente chegou a hora de “o povo” tomar o poder, pensam as massas.
Como no filme alemão, porém, “as massas” saem de controle. Já nem sabem o que querem. Querem estar nas ruas, intimidando os políticos, mostrando que quem manda são elas. Mas que “povo” é esse? A maioria? Como aferir isso com todos intimidados por ter se tornado politicamente incorreto divergir?
O pequeno experimento social fictício do filme A Onda se transformou numa catarse verdadeira. E gigantesca. Um país que vinha melhorando, de repente se tornou imprevisível. A economia que resistia à maior crise econômica internacional da história da humanidade já caminha para mergulhar em uma hecatombe.
Investidores se recolhem, a economia é paralisada e a incerteza se torna absoluta. Os efeitos das manifestações sobre a economia em breve serão sentidos. E dificilmente serão revertidos, pois os agentes econômicos mergulharam em um turbilhão de desconfiança.
O que fazer? Nós, cidadãos comuns, pouco podemos fazer além de nos organizar em grupos que, por certo, serão pequenos. Mas centros de inteligência e de discussão terão que ser montados. Haverá que atrair pessoas que discordam para se unirem, porque quanto mais sozinhas estiverem mais terão medo de assumir seus pontos de vista.
Este Blog foi o nascedouro de uma das primeiras tentativas de organizar uma reação ao avanço de impérios de comunicação que ora se beneficiam da catarse que se abateu sobre o país. Em 2007, a partir daqui foi fundado o Movimento dos Sem Mídia, que, para quem não conhece, pode ter sua história contada pelo Google.
O MSM promoveu a primeira manifestação contra um império de comunicação do pós redemocratização, em 15 de setembro de 2007, diante do jornal Folha de São Paulo. Dali em diante, além de outras manifestações – algumas reunindo centenas de pessoas – a ONG representou contra impérios de comunicação no Ministério Público sob responsabilidade exclusiva deste que escreve, que cedeu seu nome para desafiar esses grupos empresariais que tanto mal já fizeram ao país, sendo o maior de todos atirá-lo em duas décadas de ditadura militar.
Bem, é no MSM que proponho nos entrincheirarmos. Em um momento como este, porém, sei que não serão muitos os que acorrerão, mas, sejamos quantos sejamos, se formos mais de um já seremos muitos. Sejam 5, 10, 20 ou quantos mais que queiram se reunir para discutir estratégias de reação, já seremos muitos mais do que um só, isolado em sua divergência.
Se você não quer ficar assistindo passivamente o golpe ser dado – do que decorrerá a volta da direita ao poder, com tudo que se sabe que isso encerrará de prejuízo para uma nação que vinha promovendo justiça social como nunca antes na história, com a desigualdade caindo em ritmo inédito –, convido-o a deixar aqui seu comentário de adesão à ideia.
No comentário, peço que informe seu Estado e Cidade. O e-mail você tem que colocar para postar o comentário e, como sabe, não será divulgado. Através desse e-mail vou manter contato. Organizarei um novo diretório de e-mails e vou organizar uma reunião em auditório que já consegui de graça, no qual discutiremos estratégias para fazer a iniciativa crescer.
O signatário desta página tem ideias, os que aderirem poderão trazer outras. Contudo, a discussão não pode ser aberta na internet. A ligação telefônica à qual me referi me induziu a essa crença. A partir daqui o que se fará é mobilização para encontro presencial em ambiente fechado para que se possa planejar de forma reservada os cursos de ação, pois a situação no país fugiu à normalidade.
Neste momento, minha confiança está abalada. Não sei mais distinguir um comportamento do outro. Se você se sente assim e não sabe o que fazer, aguardo seu comentário de concordância. Neste primeiro momento, busco pessoas de São Paulo e adjacências para nos reunirmos. Mas quem for de outros Estados também pode ajudar.
A você que já é filiado ao Movimento dos Sem Mídia, chegou a hora de atuar. Aguardo seu comentário para incluí-lo no novo mailing que será formado, pois vivemos uma nova conjuntura na qual as ideias sofreram mutações incessantes. Assim, é preciso ver quem continua acreditando nas causas que sempre foram abraçadas neste espaço.
Por estar constituído como Organização Não Governamental e por já dispor de alguma estrutura física para reunião e discussão, o Movimento dos Sem Mídia pode ser o instrumento para que quem diverge do que está acontecendo pelo menos possa se agarrar a uma boia salva-vidas. O resgate, porém, já é outra história. Todavia, sem afundar pelo menos pode-se buscar uma fórmula de reagir.
O futuro do país conta com você, ou melhor, “com nós”. Que tal fazer alguma coisa, então? Agora é com você. Ou “com nós”.
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