DO ELETRICISTA
AO TORNEIRO, O CHOQUE QUE MOLDOU IDEOLOGIAS
Raul
Longo
Lá pro final do
governo Lula distribui pela internet um texto (O Legado do Cara), onde abri
comentando que desde Spartacus, nos anos 60 a. C., muitas lideranças populares
de ambos os sexos fizeram por merecer o reconhecimento da humanidade, mas poucas
foram tão distinguidas quanto o torneiro mecânico Lula da
Silva.
Pra quê? Um tal
de Marcus ou Marco Gutermann do blog do Estadão, entendeu ou quis entender que
eu estaria comparando Lula a Spártakos (em grego) ou Spartacus (em latim) que o
Gut aportuguesou para Espártaco (quando não em inglês, eles aportuguesam para
facilitar aos seus ledores).
Daí foi uma
borbulhante feira de indignações. Os ledores (leitor é classificação que não
convém ao caso) do Estadão, boquiabertos, buscando fôlego ao que entenderam como
uma comparação de Lula da Silva ao escravo romano da Trácia (atual Bulgária).
Peixes fora
d’água! Se eu quisesse comparar Lula a algum herói das lutas populares, não iria
buscar nos Balcãs e evocava mesmo era o Zumbi dos Palmares, ali de Alagoas, ao
lado de Pernambuco. Só me referi ao Spartacus por ser o mais antigo líder
popular de que tenho memória.
Os ledores do
Estadão sempre foram assim mesmo: eruditos! Se chamar de puta, se ofendem. Mas
chamou de messalina, ficam coquetes e oferecem o número do
telefone.
Já pra quem é
leitor de fato, não preciso nem explicar que liderança popular sequer precisa
ser de esquerda, posto que as de direita também há. E deixa o blog atrasado do
Estadão pra lá. Atrasado não de anacrônico, mas porque antigo, lá do ano
passado. Embora desde antes do ano passado Lula já fosse uma das mais
distinguidas lideranças populares da história da humanidade, querendo o Marcus
Gutemberg e Guarabyra, ou não.
Hoje Lula sem
dúvida alguma, é a mais citada, falada, documentada, honrada e premiada
personalidade política, pra desespero do aquário.
E se for olhar
no aquário do Estadão daqui a alguns dias, estará lá os bichinhos de guelras
inchadas pelo título deste texto propondo comparação de Lula com o único líder
popular da história que eles aplaudem depois do Spartacus. Walesa pelo que
entendem de ideologia, o trácio pelo que creem por erudição. Já o brasileiro,
nem debaixo d’água!
É uma
calamidade, coitadinhos! O mundo capitalista se inundando de Lula e esses
alevinos brasileiros no seco do abandono pelo cardume buscando em Lula o canal
por onde sair do encalhe.
Que situação!
Não bastasse os 96% de aprovação dos brasileiros e ainda vem o pessoal do
Conselho de Davos a conferir ao homem o título de Estadista Global! Já aí o
Estadão se confirmou estadinho, mas o Gut ainda insistiu ao me reprender pelo
Spartacus que seria cedo para julgar se a herança lulista era bendita ou
maldita.
Cedo pro
Gutinho, porque Lula já era mais que bem agraciado por título honores causa do
que se poderia ter imaginado cinco anos antes. Depois do Instituto Sciences, uma
entidade da Sourbone, ficou ainda mais evidenciado que em menos de uma década a
direita brasileira ficou mais de século atrás da direita do restante do
mundo.
Marcel Proust
foi um dos raros homenageados por este título que ao longo dos 140 anos de
existência do Sciences só foi entregue a 16 personalidades internacionais, sendo
a última e única da América Latina o brasileiro Luís Ignácio Lula da Silva. E o
Guto preocupado com que eu esteja comparando Lula a Spartacus!
Esses caras não
perderam... Eles despencaram do trem da história!
Quem mandou
surfar onde não deve? Ora vejam! Eu é que moro no fim do mundo e o Mauricinho
Gutterman é quem banca o suburbano.
E podis crê que
vai pegar o bonde errado outra vez, assim que souber que falei do Lula e do
Walesa. Mas a culpa não é minha! É do próprio Lech Walesa que ao entregar o
prêmio “Lech Walesa” pro Luís Ignácio Lula da Silva pediu desculpas e deu
explicações pelas críticas que fez ao colega brasileiro no passado, aquelas
mesmas em que O Estadão insiste, apesar de -- que eu saiba -- só em setembro o
mundo ter distinguido Lula com três grandes honrarias.
A última de que
tive notícia foi em Iowa, nos Estados Unidos, mas teve a do eletricista de
Gdansk que deu um choque na ideologia socialista nos anos 80.
Se O Estado de
São Paulo me permiti, Lech Walesa possibilita interessante comparação com Lula e
não apenas por ambos terem sido líderes da classe trabalhadora e presidentes de
seus países, mas pela trajetória de cada um dentro do histórico das sociedades a
que pertencem.
Durante 123 anos
a Polônia foi dividida entre a antiga Prússia, a Rússia e a Áustria, se tornando
independente em 1918. 21 anos depois, em 1939, foi invadida pelos nazistas e
depois da Segunda Guerra ali se instalou um dos mais cerrados governos aos
moldes soviéticos.
Em 1980 Lech
Walesa liderou o movimento grevista considerado precursor da queda do regime
soviético não apenas na Polônia, mas em todo o leste europeu. Aclamado como
herói no Ocidente (inclusive pelo Estadão) e sobretudo na Polônia, recebeu o
insofismável apoio do patrício e Papa Carol Wojtyla; além do Prêmio Nobel da Paz
em 1983. Em 1990 foi eleito o primeiro presidente da história da Polônia, com
ampla maioria de votos.
Apesar de todo
esse embasamento, Walesa não conseguiu se reeleger em 95 e nas eleições do ano
2000 obteve apenas 1% dos votos. Em 2006 rompeu com o Solidariedade, o sindicato
que havia criado.
Como presidente
do sindicato de metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em 1977 Lula liderou
movimento grevista por reposição salarial. Em 1980 fundou o Partido dos
Trabalhadores e em Diadema organizou o 1º comício pela redemocratização do país.
O movimento se estendeu pelo ABC paulista, mas sem adesão de convidados de
outros partidos políticos.
Por fim, em 83 o
Senador Teotônio Vilela lança o Movimento das Diretas Já por um programa da TV
Bandeirantes e com a participação de todos os partidos de oposição as
manifestações se espalharam pelo país ao longo de 2 anos, finalizando com uma
passeata no centro de São Paulo que se constituiu na maior manifestação pública
da história do país: hum milhão e meio de participantes.
No entanto, os
oposicionistas acordaram com os militares mais uma eleição indireta. O PT
absteve-se de participar desta eleição e somente em 1989, quando depois de 25
anos o povo brasileiro pôde voltar a escolher seu presidente, Lula concorre com
um político que apesar de desconhecido em pouco mais de um ano foi transformado
pela mídia brasileira em mítico caçador de marajás.
Dois anos depois
o caçador é cassado por um impeachment e, substituindo-o no cargo, Itamar Franco
indica o sociólogo Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Economia. A
mesma equipe que já formulara anteriores planos econômicos para o Brasil e a
Argentina cria nova moeda congelando o câmbio e os salários. Dessa forma se
obteve imediato controle da inflação que, então, era o mais agudo problema da
economia popular. O entusiasmo pelo Real garantiu a vitória de Fernando Henrique
sobre Lula em 1994 e o efeito se manteve em 1998, após a emenda constitucional
que possibilitou sua reeleição.
Neste segundo
mandato do que se chamou de “Era FHC” o custo do Real foi cobrado em
privatização de grandes empresas estatais e serviços estratégicos. Reflexos de
crises financeiras de países de outros continentes agravaram a fragilidade
econômica do Brasil e se deu uma triplicação da dívida externa. O país estagnou
e os níveis de desemprego cavaram profunda crise social. Fatores que garantiram
a vitória de Lula em 2002, por reduzida margem de votos acima do candidato de
Fernando Henrique: José Serra.
Apesar de desde
a campanha de 1989 o ex metalúrgico ser apontado como anacrônico trânsfuga do
regime soviético, “ralé e besta quadrada que se chegar ao poder o país vai virar
uma grande bosta” (Paulo Francis); indicado como racista que abandonou a própria
filha (Miriam Cordeiro); e seu partido, o PT, ser responsabilizado pelo
sequestro do empresário Abílio Diniz (Pão de Açúcar), entre centenas de outras
acusações; ao longo dos primeiros 4 anos de seu governo se conseguiu
intensificar e rebaixar ainda mais o nível dessas críticas. Se propôs
impeachment, se o acusou de bêbado, apedeuto, anta (Diogo Mainardi) e se o
ameaçou de tapas na cara em plenário do Senado (Arthur Virgílio) e da Câmera
Federal (Antônio Carlos Magalhães Neto).
No entanto,
apesar da maior concentração de esforços dos meios de comunicação para a
derrubada de um presidente de que já teve notícia no mundo, Lula foi reeleito em
2006 e desde aí seu nome atingiu projeção internacional entre as mais diversas
correntes ideológicas. Apontado por Barack Obama como o mais popular presidente
entre as nações, Lula terminou seu segundo mandato com 96% de aprovação,
elegendo sua sucessora, também vitimada pelo mesmo teor de acusações e ofensas
pessoais.
Ao contrário do
previsto em 1989 pelo então presidente da maior entidade patronal brasileira, a
FIESP, Lula não espantou os empresários do país. Apesar de se assumir como
socialista desde o início de sua militância política, hoje é o conferencista
mais bem pago e mais convidado pelas maiores empresas do
mundo.
Exatamente no
socialismo de Lula o ex-líder de Gdansk baseou suas desculpas pelas críticas do
passado, lembrando que, então, a Polônia buscava uma saída ao socialismo
proposto pelo líder do ABC paulista, mas que hoje entende que o modelo de
socialismo de Lula é bem outro do o que se impôs àquela
nação.
Ou seja, se os
ledores do blog do O Estado de São Paulo pretendem continuar chocados, que o
fiquem com o Walesa. Mas se querem saber quem tem andado por aí, da África à
Europa e América do Norte, dando sugestões para se moldar o ocidente e todo um
mundo melhor, que se tornem leitores e busquem por outras fontes de informações
porque eu não tenho nada a ver com isso.
Só gosto de me
divertir um pouquinho como os Gutos da mídia brasileira.
Do e-mail enviado por Beatrice.Lista.
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