sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O buraco é mais embaixo




Publicado em 13/10/2011 por Mair Pena Neto

Governos progressistas precisam dizer ao que vêm. Os socialistas europeus se renderam às regras do mercado e foram engolidos pela crise, possibilitando o crescimento da direita. Barack Obama, eleito como sinal de mudança após a truculência republicana, está com seus menores índices de popularidade, sem conseguir reduzir o poder do mercado e tímido demais ao enfrentá-lo. Dificilmente voltará a ter os votos dos que acreditaram no lema “yes, we can”, já que não pode mudar nada e enfrenta uma insatisfação que cresce e aparece no movimento “Ocupar Wall Street”.

Não adianta ser de esquerda ou progressista sem implantar nos governos uma linha de atuação que assim os identifique. O governo Lula começou amarrado pela Carta aos Brasileiros e a necessidade de recuperar um país em frangalhos e parecia condenado a ser mais do mesmo, apesar das boas intenções. Aos poucos, foi encontrando o caminho, e, no segundo mandato, deslanchou. A ênfase nos programas sociais, o fim das privatizações em grande escala e o papel atuante do Estado levaram o Brasil a outro patamar, elogiado no mundo todo.

A atuação decisiva do governo e o uso das ferramentas do Estado no enfrentamento da crise econômica foram exemplares. Ao oferecer crédito em meio à crise, fortalecer o mercado interno e movimentar a economia, o Brasil mostrou que não se resolvem situações de aperto econômico com mais aperto. O sufoco por que passam muitos países europeus, condenados a apertar ainda mais os cintos e a sacrificar suas populações, mostra que este modelo de rigor fiscal não dá certo. E, além do mais, é injusto, pois condena as pessoas a pagar pelos erros que não cometeram, enquanto os responsáveis são sempre socorridos pelos Estados e continuam na bonança.

O governo Dilma é um prosseguimento do governo Lula nas suas linhas mestras. Em sua visita à Bulgária, Dilma reafirmou os compromissos com o crescimento e com um modelo que não interrompa o ciclo virtuoso que o país vem vivendo. A presidente não cai no conto da ameaça inflacionária como inibidora de uma política expansiva e atua com firmeza, inclusive sobre a taxa de juros, para não deixar que o mercado retome o controle total do país.

Neste sentido, parecem fora de foco as manifestações contra a corrupção que tentam emplacar por aqui. Não que a corrupção não deva ser combatida, pois é uma praga que corrói nossa sociedade desde os tempos de colônia. Mas ao movimento falta qualquer tipo de proposta objetiva, o que o transforma num simples desabafo, além de servir a interesses escusos. Os casos de corrupção que vieram à tona foram resolvidos e não se nota no atual governo complacência com este tipo de situação. Talvez fosse mais efetivo um movimento pela reforma política que mudasse as regras do jogo e impedisse que governos progressistas ficassem reféns de alianças com fisiologistas. Ou por uma forma de democracia mais direta, pela qual os governos pudessem consultar a população sobre diversas temas e deixá-la decidir sobre os rumos do país.

Slavoj Žižek
O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve visitando o acampamento do movimento “Ocupar Wall Street”, no parque Zuccotti, em Nova York, e falou aos manifestantes. “Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema”, disse ele, salientando as possibilidades quase ilimitadas que nos são oferecidas sem que, na prática, possamos desfrutar delas:

É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética... Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível; isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.”

O discurso de Zizek deveria ser escutado aqui. As questões por ele levantadas são as essenciais. Também seria necessário taxar mais os ricos e o governo está em plena campanha por mais dinheiro para a saúde. A reação por aqui é exatamente a mesma que ele aponta. A corrupção não é o problema central. A luta deve ser por mais bem comum. E isto, no estágio de desenvolvimento brasileiro, é melhor saúde e educação para todos e uma possibilidade de um padrão de vida decente, sem desigualdades que nos envergonhem. Corrupção existe no mundo todo e precisa ser enfrentada com aperfeiçoamento dos mecanismos de investigação e punição. Mas está longe de ser uma questão transformadora.

Mair Pena Neto é jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.

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