O
Conversa Afiada publica texto de Mauro Santayana, extraído do JB online:
O pânico em Washington
por Mauro Santayana
Ao morrer anos antes, Guimarães
Rosa perdeu outro tema que a realidade dos sertões mineiros poderia ter
oferecido à sua ficção: a da enlouquecida matança de inocentes por
alguém acossado pelo medo de inimigos imaginários.
Durante alguns anos, um rico
fazendeiro de Curvelo – cidade próxima a Cordisburgo, terra do escritor –
manteve pequeno e eficiente grupo de pistoleiros, aos quais encarregava
de identificar e matar suspeitos de tramar a sua morte. Os pistoleiros,
que recebiam por empreitada, agiam com esperteza. Quaisquer estranhos
que surgissem no município eram logo denunciados ao patrão, que, depois
de exame sumário da situação, ordenava o assassinato. Os crimes só
foram descobertos muito tempo depois, quando, por acaso, descobriram uma
cisterna abandonada no distrito de Angueretá, onde o fazendeiro tinha terras. Nela, exumaram-se ossos de trinta e seis vítimas. Os fatos foram conhecidos em 1975.
As investigações revelaram o
horror: nenhuma das vítimas conhecia, sequer, o fazendeiro amedrontado.
Eram caixeiros viajantes; turistas escoteiros, atraídos pelas grutas da
região e pela represa de Três Marias, homens nascidos nas redondezas
que, vivendo longe, visitavam seus parentes.
Os Estados Unidos, ao que parece, estão sob o meridiano fantástico e assustador de Angueretá.
Eles, nesta quadra, se encontram em situação semelhante. Em seu
editorial de ontem, o New York Times expõe as dúvidas sobre o suposto
complô iraniano contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington e
outros alvos. As acusações são bizarras e inconsistentes, diz o texto. E
adverte o jornal que, desacreditados com tudo o que ocorreu com relação
ao Iraque – quando os ianques mentiram do princípio ao fim – os altos
funcionários do governo norte-americano deveriam ter provas irrefutáveis
contra Teerã, antes de denunciar o plano. Como as coisas foram
conduzidas – reitera o editorial – o governo está vendendo o que não
tem, com impudência ridícula. Desde a guerra de anexação contra o
México, no século 19, os Estados Unidos têm mentido e criado incidentes
falsos para justificar seus atos de agressão, como fizeram, mais
recentemente, no caso do golpe de 1964, no Brasil; no Chile de Allende;
na Argentina; na Nicarágua; na Guatemala; em El Salvador; na República
Dominicana; no Vietnã - em todos os países do mundo que não têm armas
nucleares, e onde têm interesses.
Outro fato que faz lembrar o
mandante do sertão mineiro, foi a decisão de Obama de ordenar o
assassinato de um cidadão dos Estados Unidos no Iêmen, sem qualquer
processo legal. O congressista republicano Ron Paul, declarou que há
fundamento legal para um processo de impeachment contra o presidente. Do
ponto de vista técnico, trata-se de um assassinato por encomenda.
Quanto a seu antecessor, Bush, há um pedido da Anistia Internacional ao
governo do Canadá, para que o prenda – quando de sua visita ao país no
dia 20 - e o submeta a julgamento por crimes contra a humanidade, por
ter ordenado a tortura dos prisioneiros em Guantánamo e em outros
lugares.
Convenhamos que não é fácil
aceitar o declínio e o administrar com competência. Nisso, os ingleses,
experientes e astutos, foram também eficientes, com a invenção da
Commonwealth of Nations, o que, pelo menos, deu um pouco mais de fôlego à
sua influência política nos domínios mais próximos da cultura européia,
como os da Austrália e do Canadá.
Nesse processo de desvario das
elites norte-americanas, que já acometeu outros impérios, a lucidez só
pode ser imposta pelos próprios nacionais, o que é difícil e demorado,
quando está em jogo a supremacia de seu país, mas pode ser inexorável.
Tudo vai depender da persistência dos manifestantes e da capacidade que
tenham de organizar e ampliar o movimento de resistência política.
É conhecida a tese de alguns
historiadores, sobretudo de Toynbee, sobre o fim dos impérios: eles
sempre desabam quando há a aliança entre o proletariado interno, o da
metrópole, com o proletariado externo, isto é, o das províncias
subordinadas. Ao que parece, com as manifestações dos indignados, nos
paises centrais e nas antigas colônias, o proletariado do mundo começa a
fazer suas alianças, de forma bem diversa da que Marx e Engels pregavam
em 1848 – mesmo porque os trabalhadores de nosso tempo são bem
diferentes, com a veloz transformação do processo tecnológico de
produção dos últimos 60 anos. A articulação desses movimentos poderá
surpreender o mundo, se os donos do poder não conseguirem, como já o
fizeram antes, apropriar-se da indignação, domá-la e submetê-la aos seus
interesses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário