Os manifestantes são chamados de ‘terroristas’, ‘vândalos’ e ‘vagabundos’ — e um artigo no site sugere passar ‘fogo neles’.
Por um curto período, respondi a Giancarlo Civita na Abril.
Eu era diretor superintendente das revistas masculinas da Abril, na época, começo dos anos 2000.
Gianca, hoje com 50 anos, era um chefe de cabeça muito mais arejada que a média dos comandantes da Abril.
Lembro uma vez que o alto comando da Abril ficou indignado porque a
Vip, então em minha órbita, publicou um artigo de humor sobre como
montar uma suruba.
Era um artigo que não ‘cabia’ na arvorezinha da Abril, conforme se
falava naqueles dias quando aparecia algum texto que fugisse do
convencional.
Os queixumes chegaram a mim, e fui conversar com Gianca. Ele riu.
Tinha mente aberta: como seu irmão caçula, Titi, chefiara a MTV, muito mais liberal em costumes que a Abril.
Fiz esse introito porque me pergunto se Gianca e Titi concordam com a
cobertura que a Veja vem dando em seu site às manifestações de
protestos de jovens paulistanos.
É uma cobertura odiosa e que incita à violência policial ao se referir
aos manifestantes como ‘terroristas’, ‘baderneiros’, ‘vândalos’,
‘vagabundos’ e ‘remelentos’.
O tom remete ao do promotor Rogério Zagallo, que disse que se a tropa
de choque atirasse nas pessoas que o prendiam no trânsito ele trataria
de arquivar o inquérito em sua jurisdição.
Não vou entrar no mérito da desconexão com a sociedade: como mostra o
Datafolha, a maioria expressiva dos paulistanos apoia os protestos
mesmo enfrentando, eventualmente, algum transtorno pessoal, como um
trânsito parado.
Não vou me deter nessa desconexão, repito, embora todos saibamos quanto
faz mal a uma publicação ir tão acintosamente contra um movimento a
que as pessoas são favoráveis.
(Lembremos quanto a Folha lucrou ao apoiar o movimento Diretas Já, e
quanto a Globo ficou manchada em sua reputação por ignorá-lo.)
Vou me limitar à cobertura escabrosa, em si.
É o triunfo da ignorância radical, do conservadorismo desvairado, do reacionarismo enraivecido e da violência jornalística.
Gianca, hoje no lugar do pai como presidente, lê isso? E Titi, como responsável pela voz da casa?
Por textos nesse tom destrutivo a Veja acabou se tornando, como notou a
Forbes ao falar da morte de Roberto Civita, uma das publicações mais
odiadas do Brasil.
É incrível, mas até os anos 1990 a Veja era uma revista intensamente admirada.
Perdeu o pé com a entrada de Lula. Isso já foi falado no Diário algumas
vezes. A perda de pé estava ligada a Roberto Civita. Ele se tornou
obcecado com Lula num grau que o fez transformar o que fora uma grande
revista num panfleto desprezível.
A questão é que a revista já está sob nova administração, a de Gianca e Titi.
Vai continuar do mesmo jeito?
O ódio extremo jorra do blog de Reinaldo Azevedo, uma aberração. Os
adjetivos que usei alguns parágrados atrás estão todos em seu blog.
Já seria um problema, em si. Mas a coisa ganha ainda mais dimensão pela
influência sinistra que Azevedo exerce sobre os outros dois blogueiros
da Veja, Augusto Nunes e Ricardo Setti. Ambos, num comportamento de
manada, basicamente reforçam o que Azevedo escreve.
Setti reproduziu em seu blog um artigo do publicitário Neil Ferreira que manda dar ‘fogo neles’, os manifestantes.
“São Paulo está sob intenso ataque, numa guerra suja e covarde, que a
mídia assustada chama de ‘Protesto’”, diz o artigo (?) copiado e colado
por Setti. “Protesto uma pinoia: terrorismo.”
Vamos entender.
Se a percepção de “terrorismo” se consagra – o que não vai acontecer,
felizmente – estará justificado o assassinato dos manifestantes.
Não acredito que o jovial Gianca, a quem respondi por algum tempo,
compartilhe ideias tão selvagens, tão perigosas – e que além do mais são
tão amplamente rejeitadas pelas pessoas.
Também não acredito que Titi concorde com tanta brutalidade jornalística.
Mas eles, os herdeiros do pai, estão assinando, indiretamente, essas barbaridades.
Paulo NogueiraNo DCM
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