Geraldo Alckmin é médico, tem ciência plena do que armas como as balas de borracha podem causar
Já na passeata de terça-feira, alguém levava um cartaz bem visível para
os PMs e mostrado várias vezes na TV: "Bala de borracha cega". Não era
novidade para os soldados, era um lembrete. Não só para os soldados.
Também para os meios de comunicação, dos quais, que me conste, nenhum
fez alguma advertência contra o uso dessa arma. E cartaz dirigido também
ao governador Geraldo Alckmin.
Um caso, entre tantos. Por um centímetro ou apenas milímetros, a
repórter Giuliana Vallone, que não estava nas ruas como manifestante na
quinta-feira, não perdeu um olho ao ser atingida por bala de borracha.
Isso, no mínimo. Se uma dessas "balas não letais" atingir o flácido
globo ocular, perfura-o e o cérebro está ao seu alcance. O resultado
provável é a morte. Outras partes do corpo são também vulneráveis e
tornam a vida vulnerável às balas de borracha. Agora mesmo um torcedor
morreu, na Argentina, atingido por bala de borracha.
Qual é a finalidade dessa arma? É ferir, com todos os riscos de
consequências além disso. Armas para afugentar, dispersar, conter à
distância, sem o contato corpo a corpo do cassetete, são as bomba de gás
lacrimogêneo e de gás de pimenta.
Em razão do seu cargo, o governador Geraldo Alckmin é o responsável pelo
uso das balas de borracha e pelos riscos que impõem à integridade e até
à vida de civis desarmados. Ainda que nem sejam participantes de atos
vistos pelo governador como hostis ao seu governo.
Mas Geraldo Alckmin não é só governador. É médico. Tem ciência plena do
que armas como as balas de borracha podem causar. E como médico tem o
dever e o compromisso de servir à integridade e à vida de todo ser
humano. É sua, no entanto, a responsabilidade pelo porte, pela
autorização de uso e, portanto, pelas consequências das armas tão
perigosas. Na linguagem convencionada, a sua é a posição de mandante do
que quer que ocorra. E do que tenha ocorrido e venha a ocorrer às
vítimas dos tiros com balas de borracha.
É no mínimo indecente que ainda hoje, sob o que consideramos regime
democrático, chamemos os gases lacrimogêneo e de pimenta, os revólveres
de choque e os tiros de borracha de armas de efeito moral. Denominação
adotada pelos regimes de opressão policial-militar.
A volta de manifestações na semana entrante é mais provável do que uma
solução para os protestos. Perspectiva idêntica fez aparecer na manhã de
quinta-feira, nesta coluna, um trecho assim: "Quem lhes dá [aos
oportunistas da arruaça] a oportunidade é sempre a polícia. As bombas de
gás, os tiros, os cassetetes incitam as respostas desafiadoras: é a
hora dos arruaceiros". À noite isso se confirmava, com reconhecimento
até dos que afirmavam o oposto. É o que tende a ser visto outra vez, se
as ordens dos mandantes da violência inicial não as retirarem. Ou até
que haja morte. Com decorrências imprevisíveis.
O vídeo, posto na internet, do soldado quebrando vidros de um carro da
PM, pode ficar como símbolo fiel dos acontecimentos em que um médico
autoriza e avaliza o uso de armas perigosas contra pessoas em
manifestação pacífica, a PM é que incita a desordem, e tudo é imoral
nesses efeitos morais ao estilo das ditaduras, disfarçadas ou não.
Janio de FreitasNo fAlha
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