Os milhares de manifestantes
que marcharam ontem nas
ruas de grandes metrópoles e
hoje geram imenso tráfego de
dados nas redes sociais não
darão em lugar nenhum.
Chegaram a um beco sem
saída
Na contramão das análises apressadas e romantizadas, posso afirmar sem
sombra de dúvidas que os milhares de manifestantes que marcharam ontem
nas ruas de grandes metrópoles e hoje geram imenso tráfego de dados nas
redes sociais não darão em lugar nenhum. Chegaram a um beco sem saída.
Não derrubarão governo algum, não indicarão um novo caminho, nem
significam, em si, nenhuma mudança substancial no tecido político
visível. Ao contrário do que pensa a ultra-esquerda retórica, os ventos
da revolução proletária não sopram ao som do mar e à luz do céu profundo
na pátria amada Brasil.
Toda a barulheira feita nas redes sociais que parecem contagiar a todos
não chega nos grotões desse país melhor que surgiu a partir de 2003 e
que está infenso a impressões de segunda mão, que indicam um país pior
onde a realidade revela a melhoria dos indicadores sociais a começar
pela renda e pelo trabalho.
A marcha dos empoderados pelos acertos de 10 anos de governo democrático
e popular no Brasil encontrará o vazio depois da curva e refluirá como
refluíram todos os movimentos recentes de igual ou maior magnitude em
todo o mundo ocorridos onde as instituições eram sólidas, a democracia
era estável e o governo não era totalitário, como é o caso do Brasil.
Nos Estados Unidos, mobilização similar um ano antes das eleições gerou
análises apressadas que davam Obama como o virtual perdedor em seu
intento de permanecer na Casa Branca. E isso não aconteceu. Porque uma
coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
O descaminho dessa multidão que parece caminhar para algum lugar e ruma
para lugar algum tem a ver com a lógica interna desse tipo de movimento,
baseada em pautas difusas, contraditórias até, e na ausência de direção
política e organicidade, únicas formas de tornar uma mobilização
constante ao ponto de produzir o efeito “água mole, pedra dura, tanto
bate até que fura”.
Foram anos e anos de mobilização e enfrentamentos comandados pelo
Conselho Nacional Africano que levaram ao fim da Apartheid. Foram anos e
anos de mobilização e enfrentamento, inclusive armado, que
enfraqueceram a ditadura no Brasil, no Chile e na Argentina.
Não é isso que está acontecendo aqui. Movidos mecanicamente por um
sentimento de rebeldia sem causa definida, esses movimentos que
começaram com demanda econômica (redução da tarifa do transporte urbano
em São Paulo) e não evoluíram para uma pauta qualificada, têm sua origem
profunda no desencanto, na desilusão política e na falta de perspectiva
que contaminam a juventude nos dias atuais, imersa no poder aparente
das redes sociais e na falta de espaço político nos partidos
tradicionais.
Essa juventude está contaminada pelo discurso plantado de modo
sistemático e recorrente pela Rede Globo, segundo o qual, vivemos no
pior país do mundo, mal administrado, precário, aquele onde a corrupção
sobrevive, já tendo sido exterminada em todas as outras paragens do
planeta.
A percepção desfocada, gerada por uma leitura distorcida dos fatos, leva
a uma ausência de pauta efetiva e unitária e este não é um fator menor
na análise do cenário presente.
Afinal, todas as revoluções se fizeram em torno de uma consigna, de uma
palavra de ordem que indicava ruptura; seja do status quo, seja
fomentando a independência de uma colônia, pela distribuição de riqueza
material e imaterial para os desvalidos, pela democracia política para
os oprimidos ou mesmo pela autoafirmação nacional para nações submetidas
aos ditames de outras nações.
Alguns analistas da hora comemoram o fato de que nenhuma legenda
partidária conseguiu capitalizar a seu favor os protestos. Mas esse é
justamente o primeiro sintoma de que esse movimento espontâneo não se
tornará orgânico e, portanto, perene. Sem direção política, dispersará
do mesmo modo que surgiu se a polícia - que no dia 17/06 no Rio foi
submetida ao seu maior teste de paciência - não criar um mártir para a
multidão chamar de seu.
A ideia tola de que seria Dilma Rousseff (PT) quem estaria na berlinda
desses movimentos e que os beneficiários primeiros dessa onda de
rebeldia seriam Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (ex-PV) e Eduardo
Campos (PSB), carece de comprovação factual. A vaia que Dilma tomou em
estádio de futebol apenas serve para provar uma antiga tese que defendo:
políticos não devem comparecer a eventos esportivos, onde a ingestão de
bebida alcoólica antecede as partidas e entorpece a razão.
Como carece de comprovação também que a pré-candidata à Presidência
Marina Silva, que está organizando um partido estranhamente chamado de
“Rede”, seria aquela cujo discurso mais se identifica com os
manifestantes. Todos e nenhum dos discursos flertam com manifestantes,
já que estes lutam contra o aborto e a favor do aborto simultaneamente.
A imprensa destaca como bandeira principal das mobilizações a luta “por
um mundo melhor”. Mas isso não é uma pauta, mas sim uma evasiva ou,
quando muito, verso de uma canção ruim. A rigor, todos querem um mundo
melhor. Mas o mundo melhor dos nazistas não era o mundo melhor dos
judeus. A perspectiva muda tudo.
Movimentos horizontais e espontâneos tendem a rejeitar lideranças
tradicionais, mas são, também, incapazes de criar novos interlocutores e
tendem a refluir ao limbo, como aconteceu com Occupy Wall Street, que
depois de contagiar os Estados Unidos e o mundo refluiu para se tornar
mais um objeto de estudo acadêmico.
Há, portanto, tendência nada desprezível de os protestos ficarem órfãos
de pai e mãe ou, na pior das hipóteses, de serem adotados pela direita,
já que movimentos como estes tendem mais para a retórica conservadora do
que para a ruptura revolucionária Golpes militares como o Brasil de
1964 no e de 1973 no Chile começaram com mobilizações de massas
fomentadas pela CIA, calcadas em sentimentos reais de largos estratos
sociais.
Também vale lembrar que, em 1988, vencida a ditadura, um difuso
sentimento de insatisfação, similar ao atual, se espalhou pelo Brasil.
As pessoas pareciam insatisfeitas com tudo, ainda mais com a
hiperinflação – que agora não existe embora a mídia insista em
reconstruí-la.
Naquele cenário cinzento emergiu um político nordestino desconhecido,
jovem, de boa aparência, cuja proposta principal era combater a
corrupção e os marajás. O simulacro Fernando Collor de Mello venceu a
corrida ao Palácio do Planalto em 1989 com amplo apoio das ruas. Caiu em
1992 da mesma forma, fruto de descalabros e desmandos.
A desilusão é e sempre será má conselheira.
Chico Cavalcante No 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário