Maria Inês Nassif
Para Jornal GGN e Carta Maior
Para Jornal GGN e Carta Maior
O então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criaram em
2006 e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais
paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram
parte das investigações do chamado caso do “Mensalão”. O inquérito
sigiloso de número 2454 correu paralelamente ao processo do chamado
Mensalão, que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por
envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E
desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um
processo contra o ex-gerente executivo do Banco do Brasil, Cláudio de
Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no
Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do
Brasil, Henrique Pizzolato.
Esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao
oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do mensalão pelo
procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. Pelo menos uma
delas, o Laudo de número 2828, do Instituto de Criminalística da Polícia
Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato.
O advogado do ex-diretor do BB, Marthius Sávio Cavalcante Lobato,
todavia, apenas teve acesso ao inquérito que corre em primeira instância
contra Vasconcelos no dia 29 de abril deste ano, isto é, há um mês e
quase meio ano depois da condenação de seu cliente. E não mais tempo do
que isso descobriu que existe o tal inquérito secreto, de número 2454,
em andamento no STF, também relatado por Joaquim Barbosa, que ninguém
sabe do que se trata – apenas que é um desmembramento da Ação Penal 470
–, mas que serviu para dar encaminhamento às provas que foram colhidas
pela Polícia Federal depois da formalização da denúncia de Souza ao
Supremo. Essas provas não puderam ser usadas a favor de nenhum dos
condenados do mensalão.
Essa inusitada fórmula jurídica, segundo a qual foram selecionados 40
réus entre 126 apontados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e
decidido a dedo para qual dos dois procedimentos judiciais (uma Ação
Penal em curso, pública, e uma investigação sob sigilo) réus acusados do
mesmo crime deveriam constar, foi definida por Barbosa, em entendimento
com o procurador-geral da República da época, Antonio Fernando,
conforme documento obtido pelo advogado. Roberto Gurgel assumiu em
julho de 2009, quando o procedimento secreto já existia.
A história do processo que ninguém viu
Em março de 2006, a CPMI dos Correios divulgou um relatório preliminar
pedindo o indiciamento de 126 pessoas. Dez dias depois, em 30 de março
de 2006, o procurador-geral da República, rápido no gatilho, já tinha se
convencido da culpa de 40, número escolhido para relacionar o episódio à
estória de Ali Baba. A base das duas acusações era desvio de dinheiro
público (que era da bandeira Visa Internacional, mas foi considerado
público, por uma licença jurídica não muito clara) do Fundo de Incentivo
Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que teria corrompido a sua
base aliada com esse dinheiro. Era vital para essa tese, que
transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado em publicidade
do BB e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro público, ter um
petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de Marketing de 2003
a 2005.
Pizzolato assinou três notas técnicas com outro diretor e dois
gerentes-executivos recomendando campanhas de publicidade e patrocínio
(e deixou de assinar uma) e foi sozinho para a lista dos 40. Os outros
três, que estavam no Banco do Brasil desde o governo anterior, não foram
mencionados. A Procuradoria-Geral da República, todavia, encaminhou em
agosto para a primeira instância de Brasília o caso do gerente-executivo
de Publicidade, Cláudio de Castro Vasconcelos, que vinha do governo
anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O caso era o mesmo: supostas
irregularidades no uso do Fundo de Incentivo Visanet pelo BB, no período
de 2001 a 2005, que poderia ter favorecido a agência DNA, do empresário
Marcos Valério. Um, Pizzolato, que era petista de carteirinha,
respondeu no Supremo por uma decisão conjunta. Outro, Cláudio Gonçalves,
responde na primeira instância porque o procurador considerou que ele
não tinha foro privilegiado. Tratamento diferente para casos
absolutamente iguais.
Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da primeira
instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano
passado, quando a Folha de S. Paulo publicou uma matéria se referindo a
isso (“Mensalão provoca a quebra de sigilo de ex-executivos do BB”).
Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados, entre eles
Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz da 12ª
Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro do STF
que decretou o sigilo.
O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para
tratamento de saúde. Na sua ausência, o requerimento do advogado teria
que ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowiski. Barbosa
não deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o
pedido quando voltasse.
Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido. Continuou o julgamento.
No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena, sem que seu advogado
conseguisse ter acesso ao processo que, pelo simples fato de existir,
provava que o ex-diretor do BB não tomou decisões sozinho – e essa,
afinal, foi a base da argumentação de todo o processo de mensalão (um
petista dentro de um banco público desvia dinheiro para suprir um
esquema de compra de votos no Congresso feito pelo seu partido).
No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do
julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a
dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de
Pizzolato. No meio da sessão, anunciou “pequenos problemas a resolver” e
mencionou um “agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já
resolvemos”. No final da sessão, voltou ao assunto, informando que
decidira sozinho indeferir o pedido, já que “ele (Pizzolato) pediu
vistas a um processo que não tramita no Supremo”.
O único ministro que parece ter entendido que o assunto não era tão banal quanto falava Barbosa foi Marco Aurélio Mello.
Mello: “O incidente [que motivou o agravo] diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?”
Barbosa: “Não”.
Mello: “É um processo que ainda está em curso, é isso?”
Barbosa: “São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso.”
Mello: “Pois é, mas teríamos que apregoar esse outro processo que
ainda está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está
praticamente encerrado, não é?”
Barbosa: “É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação...”
Mello: “Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação
Penal nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios.”
Barbosa: “Pois é. Mas enfim, eu estou indeferindo.”
Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o
processo, e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para
embargos futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre
com um “indeferi”, “neguei”. (Veja sessão AQUI)
O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa, sob o argumento de que
quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz da 12ª Vara. O
advogado apenas consegui vistas ao processo no DF no dia 29 de abril do
mês passado.
Um inquérito que ninguém viu
O processo da 12ª Vara, no entanto, não é um mero desdobramento da Ação
Penal 470, nem o único. O procurador-geral Antonio Fernando fez a
denúncia do caso do Mensalão ao STF em 30 de março de 2006. Em 9 de
outubro daquele ano, em uma petição ao relator do caso, solicitou a
Barbosa a abertura de outro procedimento, além do inquérito original (o
2245, que virou a AP 470), para dar vazão aos documentos que ainda
estavam sendo produzidos por uma investigação que não havia terminado
(Souza fez as denúncias, portanto, sem que as investigações de todo o
caso tivessem sido concluídas; a Polícia Federal e outros órgãos do
governo continuavam a produzir provas).
O ofício é uma prova da existência do inquérito 2245, o procedimento
paralelo criado por Barbosa que foi criado em outubro de 2006,
imediatamente ganhou sigilo de justiça e ficou sob a responsabilidade do
mesmo relator Joaquim Barbosa.
Diz o procurador na petição: “Por ter conseguido formar juízo sobre a
autoria e materialidade de diversos fatos penalmente ilícitos, objeto do
inquérito 2245, já oferecia a denúncia contra os respectivos autores”,
mas, informa Souza, como a investigação continuar, os documentos que
elas geram têm sido anexados ao processo já em andamento, o que poderia
dar margens à invalidação dos “atos investigatórios posteriores”. E aí
sugere: “Assim requeiro, com a maior brevidade, que novos documentos
sejam autuados em separado, como inquérito (...) ”.
Barbosa defere o pedido nos seguintes termos: “em relação aos fatos não
constantes da denúncia oferecida, defiro o pedido para que os documentos
sejam autuados em separado, como inquérito. Por razões de ordem
prática, gerar confusão.”
No inquérito paralelo, o de número 2474, foram desovados todos os
resultados da investigação conduzida depois disso. Nenhum condenado no
processo chamado Mensalão teve acesso a provas produzidas pela Polícia
Federal ou por outros órgãos do governo depois da criação desse
inquérito porque todas todos esses documentos foram enviados para um
inquérito mantido todo o tempo em segredo pelo Supremo Tribunal Federal.
Um comentário:
Só otário para acreditar nessa historinha vinda de um sobrenome Nassif. Vê se não apaga esse comentário, seu trouxa.
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