Ela envia uma mensagem retrógrada com seus estereótipos dos negros.
O Esquenta é o programa mais conservador da televisão
brasileira. É uma versão barulhenta e colorida de velhos costumes. Num
primeiro olhar, parece uma grande festa na periferia, na qual as gírias,
danças e modas de regiões com IDH baixo e criminalidade alta são
irradiadas para todo o país pela tevê.
Vemos meninos contorcendo as articulações em performances de
passinho, meninas com minissaia e microvocabulário, rapazes negros com
cabelos louros e óculos espelhados de cores berrantes rodando o salão
felizes e eufóricos. A festa mistura samba, funk, estilo de vida
despreocupado e despudorado, concurso de beleza, humor, artistas de
novela, enfim, para usar um termo bem periférico, “tudo junto e
misturado”.
Essas características, apenas, não me incomodam. Não sou quadrado,
respeito e até admiro algumas formas de cultura vindas do gueto e abuso
do direito de desligar a TV. O que me irrita, e muito, e faz com que
chame o programa de conservador e escravocrata é a cor de pele
predominante nessa festa maluca.
Certamente o Esquenta é o programa com o maior percentual de
negros da TV aberta. Enquanto as novelas, seriados e telejornais são
predominantemente caucasianos, quem manda ali são os negros e pardos.
É esse o ponto. O programa reforça o estereótipo dos negros
brasileiros como indivíduos suburbanos, subempregados, mas ainda assim
felizes, sempre com um sorriso no rosto, esquecendo-se das mazelas
cotidianas por meio da dança, do remelexo, das rimas pobres do funk, do
mau gosto de penteados e cortes de cabelo extravagantes.
Sou negro e não sei sambar, não pinto meu cabelo de louro, não uso
cordões, não ando gingando nem falo em dialeto. Não sou exceção,
felizmente. Sei que há muitos caras e moças como eu. Muitos são
poliglotas, outros gostam de música clássica, vários gostam mais de
livros do que de pessoas, outros reclamam do calor da Brasil, certamente
há os que são introspectivos e de poucas palavras, e há os que nem
sentem falta do feijão quando viajam para o exterior.
Embora o Esquenta não tenha a proposta de ser um programa
sobre cultura negra, ele ajuda a construir um estereótipo. Por que as
novelas não têm galãs negros ou musas negras? Faça a lista dos galãs e
das musas televisivas e depois veja quantos são negros. O número será
irrisório.
O Esquenta ajuda a manter essa ordem. Em vez de rapazes
elegantes, mostra dançarinos com cabelos bizarros. As moças, sempre de
shorts minúsculos e prosódias vulgares, nunca serviriam de modelo para
capas da Marie Claire ou da Claudia.
Regina Casé e seu programa parecem dizer aos jovens dos guetos: “Ei,
isso mesmo, aprendam passinho, aprendam a rebolar até o chão, continuem
com seu linguajar próprio, porque tudo isso é lindo, é legal, é Brasil, é
tudo junto e misturado, continuem com seus empregos modestos, porque a
vida é agora, é para ser vivida, curtida, com alegria, malemolência,
sempre com um sorriso no rosto”.
E assim, aquela menina sentada no sofá vai continuar achando o máximo
desfilar com pouca roupa e pelos das pernas pintados de loiros pela
comunidade. Nunca vai pensar em aprender a falar alemão ou tentar
entender os grafites de Banksy, da mesma forma que os rapazes nunca
sonharão em trabalhar no Itamaraty e praticarão bullying contra os
meninos polidos que não falam em dialeto e inventam de estudar violino,
já que um programa televisivo de uma das principais emissoras do país
legitima seu estilo de vida mal educado e de poucas perspectivas.
Como um coronel oligarca e cínico, o programa dá uma recado para a
garotada negra e parda da periferia: “É isso, dancem, cantem,
divirtam-se. Mas não saiam do seu lugar”.
Marcos SacramentoNo DCM
Um comentário:
falando Abóbrinha
Postar um comentário