No
exercício do jornalismo fui tratada como criminosa em cobertura de
protesto contra tarifa de transporte público em São Paulo. Mas nem os
criminosos devem ser tratados assim.
Da Rede Brasil Atual
“Gosto de ficar em lugar que dá para correr”, dizia a repórter do portal Terra ao meu lado quando tivemos de correr, mas não tínhamos para onde. A primeira borrachada de cassetete me atingiu na nuca, uma região potencialmente letal. A segunda, logo abaixo das nádegas. A terceira – depois de eu já ter gritado com as mãos ao alto, como uma criminosa, que sou jornalista e estava trabalhando –, no rosto. Tenente Henrique é o nome dele.
A revolta da violência contra mim foi a última gota, a prova física do que vi nas últimas horas. Um massacre. Uma ocupação militar. Violências sem razão.
Nesta tarde de 13 de junho em São Paulo, depois das notícias das prisões de colegas no ato da última terça, recuperei um crachá, há muito tempo abandonado dentro da gaveta, e comprei vinagre para aliviar os efeitos do gás. O artifício, no entanto, não foi útil. Logo que cheguei à manifestação, soube que um colega da Carta Capital foi preso por portar vinagre. Por recomendação do meu chefe, joguei o líquido fora.
O gás é uma arma muito agressiva. A fumaça causa ardência nos olhos e vias respiratórias. Quando a nuvem é muito intensa é praticamente impossível respirar. Por duas vezes quase fiquei completamente cega, correndo o risco de cair no asfalto e ser pisoteada pela multidão desnorteada. Graças à solidariedade dos manifestantes, consegui vinagre e segui trabalhando.
As primeiras bombas foram jogadas enquanto os manifestantes, a maioria jovens, gritavam “sem violência” na rua da Consolação. Não houve confronto. O claro objetivo da polícia era impedir que os manifestantes subissem a rua em direção à Avenida Paulista. O gás lacrimogêneo fez com que os manifestantes encurralados entre as ruas Rego Freitas e Cesário Motta Junior dispersassem. Depois, pequenos grupos se formaram, tentando chegar a qualquer custo à Avenida Paulista.
Segui com cerca de 50 pessoas pela Rua Bela Cintra. Presenciei de perto rapazes destruindo lixeiras, espalhando lixo, fazendo barricadas. Mas a tática não é consenso. Muitos manifestantes são contrários ao uso desses artifícios e tentaram impedi-lo. Outros tentavam orientar a pequena multidão a não bloquear o trânsito de veículos. A presença deles serviria como “escudo”. De fato, a polícia desistiu duas vezes de atacar o grupo quando eles estavam cercados de automóveis. A chegada na Paulista, ao gritos de “O povo unido jamais será vencido”, parecia o fim épico de uma travessia arriscada, mas era só o começo. A avenida já estava completamente fechada para o trânsito em função da presença maciça de policiais – cavalaria, Tropa de Choque, Força Tática, motos – logo o grupo foi dispersado por gás. Assim como todos os outros.
Formações do Choque se postaram em todas as ruas que ligam o centro com a Paulista, impedindo que qualquer grupo entrasse na avenida. As pessoas corriam atordoadas, sem saber para onde ir, já que as principais vias de escoamento estavam fechadas, assim como todas as estações de metrô.
O gás foi jogado contra pessoas paradas tentando atravessar a rua, funcionários de lojas tentando voltar para casa, em ruas vazias, aparentando uma ação preventiva. Depois de jogadas, as bombas fazem efeito por alguns minutos. Muitos transeuntes tentavam passar pelas barreiras, crentes de que sua postura pacífica iria protegê-las, e eram surpreendidas por bombas. Diversas vezes ouvi a frase: “Você viu isso?”, como se a visão da violência gratuita fosse uma miragem. “Não tem mais ninguém aqui. O que eles estão fazendo?”, perguntava-se Lígia Tavares, quando me aproximei dela na esquina da Consolação com a Paulista para saber o que tinha acontecido na Avenida Angélica.
Vestida com roupas sociais, bem diferente dos trajes da maioria dos manifestantes, ela contou que havia visitado um parente no Hospital Sabará e agora tentava voltar para casa, na zona sul. “Você viu isso?”, me perguntou atônita depois que bombas foram jogadas na direção do ponto de ônibus.
A avenida Paulista ficou fechada por uma espécie de ocupação militar. Só por volta das 21h30 as tropas começaram a se retirar e os veículos voltaram a passar. Nesse momento, os incansáveis jovens manifestantes se dirigiram pela calçada para o Vão Livre do Masp. “Amanhã vai ser maior”, gritavam quando os policiais postados diante do parque Trianon avançaram. “Gosto de ficar em lugar que dá para correr”, dizia a colega do Terra. Não pudemos correr. Podia ser qualquer um.
A polícia voltou a usar bombas. Já no ônibus, foi preciso orientar os passageiros para que fechassem as janelas, mas o cheiro de “chifre de bode queimado” entrou e provocou ardência e mal-estar nos usuários. “Tudo isso por causa do aumento?”, perguntava uma delas. Creio que, agora, tudo isso é por muito mais.
Fonte: Rede Brasil Atual
Da Rede Brasil Atual
“Gosto de ficar em lugar que dá para correr”, dizia a repórter do portal Terra ao meu lado quando tivemos de correr, mas não tínhamos para onde. A primeira borrachada de cassetete me atingiu na nuca, uma região potencialmente letal. A segunda, logo abaixo das nádegas. A terceira – depois de eu já ter gritado com as mãos ao alto, como uma criminosa, que sou jornalista e estava trabalhando –, no rosto. Tenente Henrique é o nome dele.
A revolta da violência contra mim foi a última gota, a prova física do que vi nas últimas horas. Um massacre. Uma ocupação militar. Violências sem razão.
Nesta tarde de 13 de junho em São Paulo, depois das notícias das prisões de colegas no ato da última terça, recuperei um crachá, há muito tempo abandonado dentro da gaveta, e comprei vinagre para aliviar os efeitos do gás. O artifício, no entanto, não foi útil. Logo que cheguei à manifestação, soube que um colega da Carta Capital foi preso por portar vinagre. Por recomendação do meu chefe, joguei o líquido fora.
O gás é uma arma muito agressiva. A fumaça causa ardência nos olhos e vias respiratórias. Quando a nuvem é muito intensa é praticamente impossível respirar. Por duas vezes quase fiquei completamente cega, correndo o risco de cair no asfalto e ser pisoteada pela multidão desnorteada. Graças à solidariedade dos manifestantes, consegui vinagre e segui trabalhando.
As primeiras bombas foram jogadas enquanto os manifestantes, a maioria jovens, gritavam “sem violência” na rua da Consolação. Não houve confronto. O claro objetivo da polícia era impedir que os manifestantes subissem a rua em direção à Avenida Paulista. O gás lacrimogêneo fez com que os manifestantes encurralados entre as ruas Rego Freitas e Cesário Motta Junior dispersassem. Depois, pequenos grupos se formaram, tentando chegar a qualquer custo à Avenida Paulista.
Segui com cerca de 50 pessoas pela Rua Bela Cintra. Presenciei de perto rapazes destruindo lixeiras, espalhando lixo, fazendo barricadas. Mas a tática não é consenso. Muitos manifestantes são contrários ao uso desses artifícios e tentaram impedi-lo. Outros tentavam orientar a pequena multidão a não bloquear o trânsito de veículos. A presença deles serviria como “escudo”. De fato, a polícia desistiu duas vezes de atacar o grupo quando eles estavam cercados de automóveis. A chegada na Paulista, ao gritos de “O povo unido jamais será vencido”, parecia o fim épico de uma travessia arriscada, mas era só o começo. A avenida já estava completamente fechada para o trânsito em função da presença maciça de policiais – cavalaria, Tropa de Choque, Força Tática, motos – logo o grupo foi dispersado por gás. Assim como todos os outros.
Formações do Choque se postaram em todas as ruas que ligam o centro com a Paulista, impedindo que qualquer grupo entrasse na avenida. As pessoas corriam atordoadas, sem saber para onde ir, já que as principais vias de escoamento estavam fechadas, assim como todas as estações de metrô.
O gás foi jogado contra pessoas paradas tentando atravessar a rua, funcionários de lojas tentando voltar para casa, em ruas vazias, aparentando uma ação preventiva. Depois de jogadas, as bombas fazem efeito por alguns minutos. Muitos transeuntes tentavam passar pelas barreiras, crentes de que sua postura pacífica iria protegê-las, e eram surpreendidas por bombas. Diversas vezes ouvi a frase: “Você viu isso?”, como se a visão da violência gratuita fosse uma miragem. “Não tem mais ninguém aqui. O que eles estão fazendo?”, perguntava-se Lígia Tavares, quando me aproximei dela na esquina da Consolação com a Paulista para saber o que tinha acontecido na Avenida Angélica.
Vestida com roupas sociais, bem diferente dos trajes da maioria dos manifestantes, ela contou que havia visitado um parente no Hospital Sabará e agora tentava voltar para casa, na zona sul. “Você viu isso?”, me perguntou atônita depois que bombas foram jogadas na direção do ponto de ônibus.
A avenida Paulista ficou fechada por uma espécie de ocupação militar. Só por volta das 21h30 as tropas começaram a se retirar e os veículos voltaram a passar. Nesse momento, os incansáveis jovens manifestantes se dirigiram pela calçada para o Vão Livre do Masp. “Amanhã vai ser maior”, gritavam quando os policiais postados diante do parque Trianon avançaram. “Gosto de ficar em lugar que dá para correr”, dizia a colega do Terra. Não pudemos correr. Podia ser qualquer um.
A polícia voltou a usar bombas. Já no ônibus, foi preciso orientar os passageiros para que fechassem as janelas, mas o cheiro de “chifre de bode queimado” entrou e provocou ardência e mal-estar nos usuários. “Tudo isso por causa do aumento?”, perguntava uma delas. Creio que, agora, tudo isso é por muito mais.
Fonte: Rede Brasil Atual
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