Em sua cruzada pela prisão de José Dirceu, a revista Veja desta
semana dedica a capa à biografia não autorizada escrita por seu editor
Otávio Cabral; nela, o ex-ministro da Casa Civil é acusado de sequestrar
um estudante na juventude, de manter uma vida tripla (e não dupla)
quando vivia no Paraná e de chantagear o ex-presidente Lula; na
reportagem seguinte, logo após atirar novas pedras num réu, Veja coloca a
faca no pescoço dos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso,
alertando para o risco de que eles livrem Dirceu da prisão; sutileza de
sempre foi mantida na era pós-Roberto Civita.
Para a revista Veja, a prisão de José Dirceu, assim
como seu aniquilamento e a destruição completa de sua biografia, é uma questão
de honra. Não fosse assim, a revista não teria recorrido aos serviços do
bicheiro Carlos Cachoeira para tentar seguir – ilegalmente – todos os seus
passos no Hotel Naoum, em Brasília. Da mesma forma, a revista não teria feito
uma capa com fogos de artifício, quando o Supremo Tribunal Federal definiu as
penas dos réus da Ação Penal 470.
Dirceu é um alvo especial para a revista porque ocupa um
papel simbólico na história da esquerda brasileira. Transformá-lo em bandido,
em personagem inescrupuloso ou numa espécie de monstruosidade moral é uma
maneira, também, de criminalizar a própria esquerda.
É nesse contexto que se insere a biografia não autorizada
"Dirceu", escrita pelo jornalista Otávio Cabral, editor de Veja. Até
algumas semanas atrás, divulgava-se que o livro não seria mais lançado, diante
dos receios da editora LeYa. Agora, "de surpresa", o livro chega às
livrarias pela Record e também à capa de Veja desta semana, cuja imagem é
simbólica: o "monstro" pragmático Dirceu tira a máscara do
"herói" sonhador, que ele usara na juventude. Abaixo disso, chamadas
impactantes como num thriller policial: "Uma biografia não autorizada
conta a transformação do jovem militante em um exímio manipulador político,
homem de negócios e condenado que SEQUESTROU - TEVE MÚLTIPLAS IDENTIDADES -
CHANTAGEOU LULA.
Uau! Quanta maldade reunida num só personagem!
Sobre o livro em si, poucas revelações bombásticas, a julgar
pelo que está contido na reportagem de Veja. Uma das revelações é a de que,
enquanto viveu no Paraná com Clara Becker e assumiu a identidade do empresário
"Carlos Henrique", Dirceu não mantinha apenas uma vida dupla, que
ocultava da própria mulher. Ele também teria tido uma amante em São Paulo, onde
comprava roupas para sua loja, e, portanto, tinha uma "vida tripla",
segundo Veja.
Sobre o sequestro, ele diria respeito ao estudante João
Parisi Filho, membro do Comando de Caça aos Comunistas, que teria tentado se
infiltrar entre militantes do movimento estudantil. Descoberto, ele teria sido
levado a cárcere privado e submetido a agressões físicas pela turma de Dirceu.
Em relação a "chantagem a Lula", o livro conta que
Dirceu obteve a presidência do PT depois de uma conversa tensa – e sem
testemunhas – com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dirceu teria
ameaçado abandonar o PT e revelar esquemas de caixa dois do PT com
empreiteiras, caso Lula não o apoiasse – o que não parece ser tão verossímil. E
como a conversa se deu sem testemunhas, quem a terá revelado ao editor de Veja?
O que importa, no entanto, é a caracterização do personagem.
Dirceu é, na biografia de Otávio Cabral e na reportagem de Veja, assinada por
Thais Oyama, um monstro. "Um anti-herói sem escrúpulos que, como tantos
outros na história política, escondeu a ambição atrás de um falso ideal".
Desmascará-lo ajuda também, na lógica de Veja, a desmascarar
todos os ideais de esquerda. E basta virar a página para descobrir que, na era pós-Roberto
Civita, a principal revista da Editora Abril mantém a mesma sutileza de sempre.
A reportagem "Supremo à beira da curva" diz que, "aprovado para
a corte", Luís Roberto Barroso enche os mensaleiros de esperança. No
texto, a revista faz um apelo para que ele e seu colega Teori Zavascki não
livrem os réus da cadeia.
Lembrando: Dirceu foi
condenado pela teoria do "domínio do fato". Sabia porque, segundo a
maioria da corte, seria impossível que não soubesse. Na formação de quadrilha,
foi condenado por cinco votos a quatro – o que lhe dá direito aos embargos
infringentes.
Mas o monstro precisa
ser destruído, aniquilado e preso. É este o objetivo da biografia
"Dirceu" e da capa de Veja desta semana.
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