quinta-feira, 13 de junho de 2013

A Bolsa ou a Vida


Recife (PE) - Esta semana, a socióloga Walquiria Leão Rego pôs uma luz científica no programa Bolsa Família, desenvolvido pelo governo Lula. Por ocasião do lançamento do seu livro e de Alessandro Pinzani, “Vozes do Bolsa Família”, Walquiria foi entrevistada pela Folha de São Paulo. Ali, ela afirmou que o Bolsa Família é uma ação de Estado que enfraquece o coronelismo. Espanto geral. Como assim? O programa assistencialista, o Bolsa Esmola, como o PSDB e assemelhados o chamam, que incentiva a vadiação, como poderia diminuir o poder dos chefões no Brasil profundo?
Imaginem o assombro. Os de melhor renda no Brasil são useiros e vezeiros em falar que as mulheres do povo agora querem ter mais filhos somente pra mamar no dinheiro do governo. Perdoem a forma chula de expressão, mas é assim que a nossa educada elite se expressa em público. Na intimidade, entre os da sua marca, a coisa é mais feia. O “povo”, que são sempre os outros, aos quais os ricos e meio ricos não se misturam, a gentinha de celular e com motos atrapalhando o trânsito, são a própria afirmação de votos de cabresto, que seriam mantidos pelo Bolsa Família, nos governos populistas de Lula e Dilma. Imaginem na Copa. Que vergonha, os que não deveriam passar da copa, da cozinha, a se exibir nas ruas com os filhos pagos pela Bolsa Esmola.
Pois a patadas do gênero respondeu a pesquisa de 5 anos do livro “Vozes do Bolsa Família”, nas palavras de Walquiria Leão:
“O Bolsa Família mexeu com o coronelismo?
Sim, enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome da mulher, com uma senha dela e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa que envolve 54 milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando [acontece]. Mas a fraude é quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa passiva de imbecis que não reagem é preconceito puro”.
Ainda assim, há quem argumente que o programa Bolsa Família reforça o coronelismo, de Lula e Dilma, que seria um governo – para a direita brasileira é assim, Lula e Dilma são uma só pessoa - cujo objetivo é dominar o povo brasileiro para entregá-lo aos corruptos, de Cuba e dos comunistas em geral. Esse nível de argumento é de uma pobreza e estupidez tamanha que difícil é respondê-lo. Entendem? Seria algo como provar a um homem que a terra é redonda, apesar de ele só ver lugar plano. No cerne desse preconceito está a ideologia de que o povo é imbecil, por um lado. Por outro, que ele não pode receber políticas compensatórias que amenizem uma exclusão secular, porque tais políticas seriam puramente eleitorais. Dizer o quê, amigos?
O senador Jarbas Vasconcelos certa vez declarou à Veja que “há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família”. E sobre isso escrevi uma reportagem publicada na Carta Capital, em que relatava a minha busca inútil, cômica, do garçom rico de Bolsa, depois de horas a entrar em beco e sair em beco.
Naquela reportagem, que reduzida está no Direto da Redação, clique aqui pude observar que o valor máximo do Bolsa Família era então de 182 reais por família. Isso significava que o garçom afortunado, se profundamente carente, trocaria seus cerca de dois mil reais por mês pela fortuna de 182. Porque a Bolsa é concedida por família, não seriam duas Bolsas, uma para o garçom, outra para o seu filho, como declarou a nobre ética do ainda mais nobre senador.
Para encerrar, nada melhor que as palavras da socióloga, quando contou uma ternura testemunhada em um homem miserável no Vale do Jequitinhonha:
“Uma pesquisadora sobre o programa Luz para Todos, no Vale do Jequitinhonha, perguntou para um senhor o que mais o tinha impactado com a chegada da luz. A pesquisadora, com seu preconceito de classe média, já estava pronta para escrever: fui comprar uma televisão. Mas o senhor disse:
`A coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o rosto dos meus filhos dormindo; eu nunca tinha visto`.
Essa delicadeza... a gente se surpreende muito”.
Urariano Mota
No Direto da Redação

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