A exportação de serviços médicos tornou-se crucial para a economia da ilha.
O texto abaixo foi publicado originalmente no site da BBC Brasil
Mas como, afinal, Cuba chegou a ter tantos médicos? E por que tem
tanto interesse em “exportar” seus serviços para outros países?
Em Cuba, os profissionais da área de saúde têm uma função bem mais
ampla do que simplesmente atender à população local. Já há algum tempo, a
exportação de serviços médicos tornou-se crucial para a economia da
ilha.
Segundo informações repassadas pela chancelaria do país ao
correspondente da BBC Mundo em Havana, Fernando Ravsberg, o contingente
de profissionais de saúde cubanos fora da ilha incluem atualmente 15 mil
médicos, 2,3 mil oftalmologistas, 5 mil técnicos de saúde e 800
prestadores de serviço trabalhando em 60 países e gerando lucros
milionários ao regime – as cifras mais otimistas falam em até US$ 5
bilhões (R$ 10,6 bilhões) ao ano.
O serviço que os médicos cubanos prestam à Venezuela, por exemplo,
permite que Cuba receba 100 mil barris diários de petróleo. E também há
profissionais em outros países da região, cerca de 4 mil na África, mais
de 500 na Ásia e na Oceania e 40 na Europa.
Segundo fontes oficiais, a Venezuela pagaria esses serviços por
consulta – e a mais barata custaria US$ 8 (R$ 17) em 2008. Já a África
do Sul pagaria mensalmente US$ 7 mil (R$ 14,9 mil) por cada médico da
ilha.
Para muitos países em desenvolvimento, o atrativo dos médicos cubanos
é que eles estão dispostos a trabalhar em lugares que os locais evitam,
como bairros periféricos ou zonas rurais de difícil acesso – onde moram
pessoas de baixíssimo poder aquisitivo. Além disso, em geral eles
também receberiam remunerações mais baixas.
História
Boa parte dos médicos que ficaram na ilha após a Revolução viraram
professores, foram abertas faculdades de medicina em todo o país e se
priorizou o acesso de estudantes ao setor. Tudo facilitado pelo fato de o
ensino ser gratuito.
A primeira missão de saúde ao exterior foi organizada em 1963. Apesar
da escassez de médicos, Cuba enviou alguns de seus profissionais à
Argélia para apoiar os guerrilheiros que acabavam de obter a
independência. Eram os primeiros de 130 mil colaboradores que, ao longo
dos anos, já trabalharam em 108 países.
O tema dos profissionais de saúde cubanos no exterior é um dos muitos
que dividiram Cuba e EUA – e Washington chegou a criar um programa para
facilitar os vistos para médicos cubanos que estejam trabalhando em
terceiros países.
Incentivos
No exterior, esses profissionais de saúde recebem salários muito mais
altos do que os que trabalham dentro de Cuba, como explicaram a
Ravsberg duas médicas, sob a condição de anonimato.
Alicia (o nome é fictício) disse ter trabalhado na Venezuela durante 7
anos e garante que, apesar de já estar aposentada, “se me pedissem para
voltar, aceitaria sem pestanejar”.
“O que me motivou foi a possibilidade de trabalhar com o apoio a
diabéticos, porque padeço da doença. Comecei (atendendo) gente que
perdia a visão por causa disso”, diz, agregando que “também buscava uma
melhoria econômica, porque o salário (em Cuba) não era suficiente”.
“Cheguei à Venezuela ganhando 400 bolívares (R$ 135), mas foram
subindo (o salário) e, antes de voltar, ganhava 1,4 mil (R$ 474)”, diz.
“Foi uma experiência maravilhosa, que não dá para esquecer. (Atendia)
pessoas pobres e algumas delas me ligam até hoje em Cuba.”
No Brasil
Juana (outro nome fictício) tem 35 anos e é médica em Cuba. Quando
recém-formada, deixou marido e a filha de 4 anos na ilha para trabalhar
na Venezuela, com a ideia de se desenvolver profissionalmente, conhecer o
mundo e melhorar sua situação econômica.
“Não tinha absolutamente nada. Graças à missão, mobiliei toda minha casa.”
Agora, ela tem a chance de voltar a viajar. “O Ministério me chamou
para trabalhar no Brasil, em condições muito melhores do que na
Venezuela”, disse à BBC.
Segundo o projeto inicial, anunciado no início de maio, o governo
brasileiro estudava contratar 6 mil médicos cubanos para trabalhar
principalmente em áreas remotas do país.
O Conselho Federal de Medicina, porém, expressou “preocupação” com a
possibilidade de médicos estrangeiros atuarem no Brasil sem passar por
exames de avaliação, alegando que isso poderia expor a população a
“situações de risco”.
Nos cinco continentes
Até em Cuba a “exportação de médicos” causa alguma polêmica.
A formação de tantos profissionais de saúde permitiu que a ilha
criasse a figura do Médico de Família, profissionais que atendem em
todos os bairros e encaminham os pacientes para especialistas ou
hospitais.
Mas esse é justamente o programa mais afetado pela saída dos médicos ao exterior.
O fechamento de algumas das casas de saúde gera insatisfação entre os
cubanos, aumenta a concentração de pacientes por médico e o tempo de
espera.
“Ainda assim, 60 mil médicos ficaram em Cuba, 1 para cada 200
habitantes – média melhor que a de muitos países desenvolvidos”, diz
Ravsberg.
“A ilha também tem uma expectativa de vida próxima aos 80 anos e
programas de prevenção a Aids e HIV reconhecidos internacionalmente.”
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