A tese de Liu Chi, sobre o vínculo umbilical entre grandes meios de
comunicação, de projeção global, e seus interesses nacionais, é
perfeitamente aplicável ao influente, mas já não tão infalível New York
Times (que teve a credibilidade arranhada após seu alinhamento
patriótico com George W. Bush, na Guerra do Golfo), ao The Wall Street
Journal, ao Financial Times e também a essa velha dama de ferro do
jornalismo, The Economist, que retornou ao centro da agenda noticiosa
brasileira com seus disparos dirigidos contra o ministro Guido Mantega.
Ainda que antiga, a revista que este ano celebra seu 170º aniversário,
não perdeu o ímpeto e segue pressionando de modo um tanto imperial as
potências emergentes, aqueles países que, em sua opinião, precisam
receber lições sobre como superar a idade da barbárie econômica
(leia-se: populismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, intervencionismo,
esquerdismo, distribucionismo) para chegar a um estado civilizatório
superior: o do livre mercado absoluto.
Por sua fé neoliberal (ou liberal, simplesmente), The Economist às vezes
evoca aquela Margaret Thatcher enlouquecida na “missão” de impor seu
modelo e os interesses representados pelo Partido Conservador, em uma
cruzada tão exitosa que acabou por deglutir o ideário econômico dos
outrora reformistas quadros do Partido Trabalhista, degradados na figura
de Tony Blair ao triste papel de mensageiros do decálogo neoliberal.
A falecida primeira ministra Thatcher, provinciana e pouco erudita,
aplicou na Grã Bretanha a política mais regressiva desde o pós-guerra
por meio de reformas (melhor seria chamá-las de contrarreformas)
legislativas e uma repressão pinochetista contra os mineiros que
tentaram, em vão, impor algum freio a sua agenda em defesa de um Estado
mínimo.
Bem escrita, cuidadosa nos adjetivos que usa, editada com maestria,
refinada, mordaz e, sobretudo, anglo-saxã: The Economist é um produto de
qualidade, muito distinto do às vezes vetusto The Wall Street Journal.
Mas essa fleuma não impede que The Economist seja um órgão ideológico e
um instrumento político com seu programa e seus objetivos, como qualquer
meio de comunicação de porte global. Seu compromisso é impor sua agenda
radical no debate econômico e aniquilar todo vestígio do que considera
ser populismo estatista.
Seu último capricho, que põe a prova sua capacidade de pressão, parece
ser querer derrubar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em quem
detecta um vestígio do pensamento e da ação econômica que julga uma
“herança do atraso”: o risco de regressar a uma era pré-thatcherista.
Um editor e o colunista de economia do Jornal das Dez, da Globo News,
concederam amplo destaque às recomendações escritas por The Economist em
sua última edição, na qual, com um senso de humor impregnado de
desprezo, disse que não recomendará mais a queda de Mantega, sabendo que
a presidenta Dilma Rousseff rechaça imposições, como ela mesmo afirmou
na cúpula do BRICS realizada na África do Sul, frente a primeira
investida da publicação londrina.
Que o braço televisivo das empresas de entretenimento e desinformação da
Globo assuma como suas as provocações da The Economist é um fato
repetido que não merece nenhum comentário novo. O que merece uma menção é
o reiterado uso, por parte de seus jornalistas, do adjetivo
“prestigiosa”.
Como já foi assinalado acima não está em discussão a qualidade dos
textos, nem o rigor da informação publicada pelo semanário, mas seu
principal traço, muito mais que o prestígio, é sua influência, e esta é
filha da repercussão propagandística de seus ataques políticos na forma
de artigos jornalísticos.
O que a política econômica personalizada em Mantega ameaça, para
publicações como The Economist, Financial Times, The Wall Street Journal
e para agências de risco como a Standard and Poors, não são ideias, mas
sim a disputa do capital transnacional para ficar com a maior parte dos
excedentes da sétima economia mundial.
Quando as multinacionais da informação, que elevam a The Economist à
condição de bíblia, demandam “confiabilidade” e “segurança jurídica”, na
verdade estão utilizando um eufemismo para chantagear governos
periféricos para que renunciem a toda soberania econômica e eliminem
todo tipo de regulações. O modelo a ser imitado é o Chile e, mais
recentemente, a Aliança para o Pacífico.
Dessa forma, inventa-se uma espécie de Pensamento Único Econômico, um
consenso imposto a força, que não é filho da liberdade de expressão ou
do pluralismo, mas sim da imposição e dos ataques aos interesses
nacionais de países do sul.
Está certo Mantega quando assinala que “The Economist aposta em uma
política conservadora...porque critica as políticas de estímulo (à
produção e ao consumo), que é uma política que dá resultados, como
deram, por exemplo, em 2008”. Na contramão do grosso dos economistas,
Mantega, não fugiu da polêmica com a publicação britânica,
identificando-a como um órgão alinhado com a direita europeia.
A revista, disparou o ministro brasileiro, “deve ter a mesma opinião que
o governo de seu país (Grã-Bretanha) e dos estados europeus em geral
(cujas políticas econômicas) que tiveram um resultado o qual não preciso
mencionar”. Como era de se esperar, as afirmações de Mantega não
mereceram nenhuma repercussão nos veículos de imprensa dominantes em
nível global, associados em sua maioria ao credo e aos interesses
encarnados pela The Economist.
Dario Pignotti, Correspondente, Doutor em Comunicação e Mestre em Relações Internacionais (@DarioPignotti).
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