“Em termos de políticas sociais, tudo indica que o Brasil já está e
ficará entre Estados Unidos e Europa. Teremos mais benefícios do que nos
Estados Unidos e menos do que na Europa. Essa é uma escolha social,
resultado da interação entre a sociedade e seus representantes. É isso
que faz do Brasil o Brasil”.
O comentário é de Alberto Carlos Almeida, sociólogo, diretor do Instituto Análise e autor de A Cabeça do Brasileiro, num artigo publicado no jornal Valor Econômico.
Uma condensação:
O recente episódio dos boatos de extinção do Bolsa Família e o impacto
coletivo que isso causou, quando milhares de pessoas em vários Estados
correram para as agências da Caixa a fim de sacar o benefício, motivou
falas de políticos e formadores de opinião, uns defendendo e outros
criticando essa política social.
Nas duas últimas campanhas eleitorais presidenciais, em 2006 e 2010, o Bolsa Família foi um tema importante do PT e do PSDB.
Não há no Brasil, hoje, uma força política relevante que proponha acabar com o benefício.
O máximo que se propõe é a criação de uma suposta porta de saída, isto
é, algum tipo de política social paralela ao Bolsa Família, como medidas
para gerar empregos para os beneficiários do programa, de tal maneira
que as famílias, com o passar dos anos, deixem de precisar do benefício.
A busca de uma porta de saída tem a ver com a crítica de que o Bolsa Família não passa de um programa assistencialista.
Nada mais distante da realidade do que achar que somente no Brasil os
mais pobres recebem algum tio de auxilio do governo para sobreviver.
Na verdade, o Brasil é um dos países que menos auxílio prestam aos mais pobres. Mais uma vez, o exemplo do Reino Unido é paradigmático: lá existe até mesmo o bolsa funeral.
O bolsa funeral britânico pode ser utilizado para cobrir despesas com
velório, cremação, atestado de óbito, compra do caixão, flores e até
mesmo viagem de parente para organizar o enterro.
A quantia por funeral é de até 700 libras.
No Reino Unido existe também o bolsa aquecimento no inverno. É como se
no Brasil existisse um benefício do governo para que as pessoas pagassem
o ar-condicionado no verão.
Para que um britânico seja beneficiário do bolsa aquecimento no inverno
não é preciso ser pobre; basta ser idoso. Ou seja, todos os que têm mais
de 80 anos, independentemente da renda, podem receber de 100 a 300
libras no inverno, mesmo se não morarem no Reino Unido.
O Reino Unido também tem bolsa família, lá denominado child benefit.
Trata-se de um benefício para famílias na qual a renda individual do
chefe seja menor do que 50 mil libras por ano.
Para cada criança ou jovem abaixo de 20 anos de idade, desde que
matriculado na escola ou em algum tipo de treinamento, o governo paga 20
libras por semana.
Isso é pago para a primeira criança. Para quem tem mais filhos são adicionadas 13 libras por semana, por criança.
O Reino Unido gasta muito mais do que nós, brasileiros, com numerosos benefícios sociais.
Não há a menor dúvida de que a rede de proteção social deles é bem mais
ampla do que a nossa. Sabe-se também que há correlação entre bem-estar
social e, por exemplo, violência. As sociedades menos desiguais e com as
mais amplas redes de proteção social tendem a ter índices menores de
criminalidade.
Não é possível ter tudo. Não dá para abolir o Bolsa Família e, ao mesmo tempo, não ter criminalidade elevada.
As políticas repressivas são importantes, mas não resolvem sozinhas a criminalidade, em particular no longo prazo.
Alguns poderão afirmar: no Brasil nada funciona; temos Bolsa Família e a criminalidade ainda assim é alta.
Cabem aqui duas ponderações. A primeira é mais do que óbvia: não fosse o
Bolsa Família, a criminalidade provavelmente seria muito mais elevada.
A outra ponderação tem a ver com a abrangência da rede de proteção
social. Talvez fosse preciso, para diminuir a violência, adotar outros
benefícios equivalentes aos britânicos.
O Brasil, porém, é bem diferente da Europa. Nossa rede de proteção social jamais se assemelhará à existente nos países europeus.
Duvido também que nossa criminalidade se torne um dia tão baixa quanto a deles.
Nosso consenso é diferente do europeu. Em termos de políticas sociais,
tudo indica que o Brasil já está e ficará entre Estados Unidos e Europa.
Teremos mais benefícios do que nos Estados Unidos e menos do que na
Europa. Essa é uma escolha social, resultado da interação entre a
sociedade e seus representantes.
É isso que faz do Brasil o Brasil.
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