"Nos anos 80, Pelé foi severamente criticado por dizer que o brasileiro não sabia votar.
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Fernando Henrique Cardoso foi um pouco menos sutil, quando disse
que só os votos dos adversários é que vinham dos menos informados.
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A incapacidade de tolerar a diferença começa na convicção de que
quem pensa de outro modo está errado. O que não decide como eu, não faz
certo –não sabe pensar ou tem uma influência de maus estímulos.
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O candidato do PSDB nunca esteve tão próximo em uma disputa
presidencial depois que Lula chegou ao poder. Mas ao sinal da primeira
pesquisa negativa, ainda no empate técnico, o jornalista Josias de Souza
sentenciou que a “ultrapassagem de Dilma potencializa supremacia do
marketing”. Se a virada aconteceu, por certo, algo de malévolo deve
existir para justificá-la.
Não pode ser simplesmente o fato de que eleitores tenham outras
prioridades; se meu candidato não ganha, há alguma maldade submersa,
explicação deletéria, algo que faça compreender o que a (minha) razão
não consegue alcançar.
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Daí para o preconceito é um passo curto: os votos dos beneficiários
do Bolsa Família são de cabresto, os grotões dão a vitória pela
desinformação, o Nordeste que atrasa o país etc.
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Bom, dizer que a elite entreguista só pensa em Miami, a propósito, não é lá muito diferente.
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Nos últimos dias criou-se certo consenso de que a campanha baixou
níveis de educação e urbanidade nos debates por ausência de jornalistas.
As propostas teriam se perdido pela falta de intermediação.
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Mas a grande imprensa não tem como sair de fininho dessa barafunda.
O estímulo à agressividade também é seu, quando instaurou a pauta moral como o destaque da eleição.
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A bolsa de escândalos que se sucedem nas manchetes e a
supervalorização das intrigas supera, em muito, nas páginas e telas dos
principais noticiários, a comparação de projetos e governos.
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Nem se trata de jornalismo investigativo, mas de um jornalismo
“divulgativo”, que já não mais se preocupa com qualquer protocolo para
dar destaque a acusações. Quanto mais graves, menos cautelas. O negócio é
produzir manchetes.
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A ideia de que a eleição pode ser decidida entre o bem e o mal,
entre o justo e o desonesto, entre o capaz e o incompetente, estimula o
jogo do tudo ou nada, da guerra contra o inimigo. Mas esconde o mais
importante, as visões de mundo que distinguem de forma consistente as
duas candidaturas.
A política é lançada diuturnamente como a arte da mentira, mas a eleição nos apresenta, de fato, duas verdades.
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É sobre elas que devemos nos debruçar.
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Uma não é mais certa do que outra, apenas mais próxima da nossa concepção.
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Uns são conservadores, outros progressistas. Uns
desenvolvimentistas, outros liberais. Uns moralistas, outros
libertários. Pensamos em controlar a inflação ou impedir o desemprego,
em subsídios ou isenções, na intervenção do Estado ou no poder ao
mercado.
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Não há porque considerar que uma ou outra concepção do Estado
esteja errada; são pensamentos, posições, vertentes que optamos, de
acordo com nossas ideologias, preocupações ou até mesmo interesses.
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Existem bons e maus gerentes em ambos os partidos, honestos e corruptos, leais ou vendilhões.
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Mas a tentativa de fazer uma escolha segura por este critério é
quase sempre inglória e reduz, eleição após eleição, a pauta política a
um embate tão virulento quanto imoral: a caça ao vício do inimigo se
imbrica com a conivência com o erro do parceiro.
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Ao fim de cada combate, a corrupção mais se aprofunda do que se
esvai nessa toada –pois as faltas de lado a lado acabam sendo louvadas
pelos partidários.
É preciso entender que a eleição presidencial é, sobretudo, um
confronto de projetos nacionais. Não pode ser resumida a uma narrativa
de heróis ou vilões.
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Ninguém é dono da pátria contra traidores. Ninguém é mais ou menos brasileiro por fazer uma ou outra opção.
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Quem quer te convencer disso, não desrespeita apenas ao país. Desrespeita a todos os seus cidadãos.
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Até porque o ódio é uma péssima herança eleitoral."
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