Eu esperava tudo do jornal O Estado de S.Paulo, menos este editorial explícito contra a livre concorrência: "Os radicais atacam de novo", disponível em http://m.estadao.com.br/noticias/opiniao,radicais-atacam-de-novo-,1587642,0.htm
O referido texto "acusa" a presidenta Dilma de ter uma visão "claramente
intervencionista [acerca do papel] do Estado". Diz que Dilma, "nessa
questão, alinha-se com a esquerda do PT".
Ao mesmo tempo, O Estado (!!!) de S. Paulo "elogia" a presidenta por
resistir "bravamente" aos "radicais de seu partido", que no entender do
jornal "pregam a censura dos meios de comunicação".
Até aí, nada de novo. Como tampouco há novidade no ataque que o Estadão
faz contra o texto divulgado pela tendência petista Articulação de
Esquerda.
O texto criticado pelo jornal está disponível no link http://valterpomar.blogspot.ie/2014/10/comemoracao-e-luta.html
A novidade aparece quando o Estadão critica a proposta, feita pelo
texto, de que o PT deva lançar um "jornal diário de massas e uma agência
de notícias".
Segundo o Estadão, a proposta da esquerda lançar um jornal diário de
massas e uma agência de notícias seria "uma ideia típica do voluntarismo
inconsequente e do sectarismo de esquerda, do discurso daqueles para
quem a população é deliberadamente mal informada por uma mídia
'burguesa' comprometida apenas com interesses da 'elite'. Mas esse é um
problema que se resolve facilmente, como demonstra acreditar a facção
petista, com o lançamento de um jornal para as 'massas', capaz de
colocar a elite perversa no devido lugar."
Curiosa esta acusação: para o Estadão, a esquerda lançar um jornal de
massas e uma agência de notícias seria "voluntarismo inconsequente".
Eu acharia "normal" ouvir este tipo de crítica numa reunião petista, por
exemplo de alguém preocupado com as dificuldades e riscos envolvidos na
operação de um jornal e/ou de uma agência deste tipo. Ou mesmo de gente
que acredita que as redes sociais tornaram dispensáveis os diários
impressos e/ou não compreende o vínculo entre o trabalho de uma redação e
o de uma agência.
Mas estaria o Estadão preocupado conosco?
Chegam ao ponto de nos "alertar" para o seguinte: mesmo que sejamos
capazes "de superar, mediante o investimento de enorme volume de
recursos financeiros, as dificuldades de produção industrial e
distribuição de um diário de tiragem compatível com a demanda da
'massa', certamente [teríamos] dificuldades para transformar a leitura
diária de um jornal em objeto de desejo dessa 'massa'."
De fato as dificuldades existem e são múltiplas. Mas o desejo por outro
padrão de informação ficou claro durante as eleições de 2014. Assim como
ficou claro o papel diferenciado e indispensável, na batalha da
comunicação, das agências de notícias e dos impressos, revistas semanais
e jornais diários.
Neste último caso, existem hoje no mínimo algumas centenas de milhares
de pessoas em todo o país que não dispõem de outros jornais impressos
diários, salvo os oferecidos pelo oligopólio. Parte destas pessoas estão
"ávidas pela maravilhosa perspectiva" de que se lhes ofereça um jornal
diário preocupado em divulgar não apenas outras notícias, mas outro
ponto de vista. Para usar os termos que o Estadão conhece, existe
mercado para um novo produto.
Claro que na versão OESP do liberalismo, só parecem existir duas
alternativas: 1) as "notícias objetivas" fornecidas pelo oligopólio e 2)
a propaganda dos "salvadores da pátria".
Nós, que paradoxalmente somos acusados de "arreganhos totalitários",
temos outra perspectiva: achamos que no Brasil coexistem diferentes
pontos de vista, que precisam resultar em diferentes noticiários e numa
pluralidade de meios. Inclusive impressos diários.
Neste ponto, fica mais claro que O Estado de S. Paulo teme a concorrência, tanto política quanto comercial.
Tanto é assim que, entre os argumentos contrários à existência de um
jornal de esquerda de grande tiragem, o Estadão reclama que o "mercado"
de leitores seria pequeno, porque "o Brasil ainda é um dos países com
pior desempenho na área da Educação, o que resulta na existência do
enorme flagelo do analfabetismo funcional".
Curioso este argumento, que só valeria contra um novo jornal da
esquerda, mas não afetaria os vários jornais e revistas mantidos hoje e
há décadas pelo oligopólio. Que o próprio Estadão considera algo
"indesejável", mas não a ponto de aceitar a moderada proposta feita pela
presidenta Dilma, de uma "regulação econômica".
Nada mais coerente: o liberalismo do Estadão é feito apenas para inglês ver.
Para estes liberais de meia pataca, a liberdade de imprensa funciona
assim: eles podem ter jornais de grande circulação. Nós, se quisermos
estar "mais bem sintonizados com a vida real", devemos nos dar por
"satisfeitos em produzir um jornal para a militância".
Talvez os Mesquita desejem ganhar uma assinatura do jornal Página 13,
que circula desde 1998. Mas o que preferimos dar a eles e seus colegas
de oligopólio é algo mais solene: concorrência.
Valter Pomar
Ainda do Blog CONTEXTO LIVRE.
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