Na Semana pela Democratização da
Comunicação, colagens foram realizadas nas capitais brasileiras para
denunciar os políticos donos da mídia.
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Também do Blog CONTEXTO LIVRE.
Dia 17 foi o Dia Internacional pela Democratização da Comunicação. Além
de comemorar a data, entidades promovem, ao longo desta semana, uma
série de atividades com o objetivo de ampliar o debate e a coleta de
assinaturas em apoio ao chamado Projeto de Lei da Mídia Democrática. O
projeto propõe uma nova regulação do sistema de comunicação do país, a
partir de medidas como o estímulo à concorrência e a proibição da
outorga de concessões para políticos com mandato eletivo.
Nestas atividades, a denúncia contra políticos que são concessionários
(ou que a família possui a concessão) de meios de comunicação ganhou as
ruas de várias capitais do Brasil. Colagens de cartazes apontaram para
este problema nunca enfrentado com rigor pelo Poder Público, ainda que
a Constituição de 1988 proíba a vinculação de deputados e senadores
com concessões públicas.
É importante, no entanto, trazer o debate sobre o chamado Coronelismo
Eletrônico. Com a reconfiguração e o fortalecimento do movimento de
comunicação no começo dos anos 2000, várias entidades, coletivos e
redes também passaram a incidir neste tema. As entidades demonstravam
não apenas interesse nos debates, mas pretendiam também intervir
objetivamente na questão para forçar uma tomada de posição do
Ministério Público e do Poder Judiciário, judicializando casos
específicos.
Foi o que fez o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo
(ProJor), que, em 2005, protocolou uma representação à Procuradoria
Geral da República em audiência ocorrida em Brasília em outubro do mesmo
ano. À época, a direção do Instituto Projor, responsável pelo
Observatório da Imprensa, era composta pelos jornalistas Alberto Dines,
José Carlos Marão, Luiz Egypto e Mauro Malin. A fim de procurar o
Ministério Público, o Projor financiou uma pesquisa, desenvolvida por
Venício Artur de Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da
UnB, a partir dos dados do cadastro de concessionários do Ministério das
Comunicações. O relatório do estudo foi anexado à representação. Ela
se baseou em pesquisa coordenada pelo professor. Os dados
restringiram-se aos deputados, poupando momentaneamente os senadores.
De acordo com a entidade, a investigação “reuniu indícios de que
deputados e senadores são concessionários de rádio e televisão”,
confrontando a Constituição, e que, “mais grave ainda”, parte desses
parlamentares participava das reuniões da Comissão de Ciência,
Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados e
da Comissão de Educação do Senado Federal. Essas comissões tratam
exatamente das renovações e das homologações das concessões de rádio e
televisão. A pesquisa identificou que, em 2005, na Câmara dos Deputados,
pelo menos 51 dos 513 deputados são concessionários diretos de rádio e
de televisão. O Projor acompanhou a tramitação de 762 processos de
outorgas e renovações de emissoras comerciais de radiodifusão que
entraram na pauta de votação. Um caso chamou a atenção: “os deputados
Corauci Sobrinho (PFL-SP) e Nelson Proença (PPS-RS), respectivamente
presidente e membro titular da CCTCI, participaram e votaram
favoravelmente nas reuniões em que foram aprovadas as renovações de suas
concessões de rádio, respectivamente a Rádio Renascença OM, de
Ribeirão Preto (SP), e as Emissoras Reunidas OM, de Alegrete (RS)”.
A análise revelou que, neste caso, além da Constituição e do CBT, foram
descumpridos o § 6º do artigo 180 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados e o artigo 306 do Regimento Interno do Senado Federal. Ambos
preveem que, “tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha
interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido e fazer
comunicação nesse sentido à Mesa,
sendo seu voto considerado em branco, para efeito de quorum” (apud
Projor, 2005, p. 05). Tomando como referência as atas das reuniões da
Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), foi
acompanhada a tramitação de 639 processos em 2003 e 123 em 2004, num
total de 762 processos. De 2003, 181 foram transformados em Decretos
Legislativos, sendo 118 renovações e 63 outorgas. Em 2004, apenas duas
outorgas se transformaram em decretos. Nos dois períodos o total foi de
183.
Prática comum no relacionamento entre o governo federal e o Congresso
Nacional há décadas, a concessão pública de emissoras de rádio e TV a
parlamentares fere o Artigo 54[1] da Constituição. Os pedidos de
outorga ou renovação podem ser vetados pelo Congresso Nacional, desde
que respaldados por dois quintos de seus membros, em votação nominal.
Além de ações penal e civil, os envolvidos podem ser punidos com a
perda do mandato. Na Ação Civil Pública, Ministério Público Federal
requereu a nulidade de concessões de rádio e televisão, pois as
considerou “viciadas” em razão de ofensa ao princípio da impessoalidade,
uma vez que “os próprios sócios de tais empresas, na condição de
parlamentares, participaram das referidas votações”. Para o MPF, a
renovação dessas outorgas violou o § 3º do Artigo 33 da Lei nº 4.117/62,
segundo o qual “os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez)
anos para o serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o
de televisão, podendo ser renovado por períodos sucessivos e iguais se
os concessionários houverem cumprido todas as obrigações e
contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e
atendido o interesse público”.
Em julho de 2007, o Ministério Público Federal no Distrito Federal
(MPF/DF) propôs ações civis públicas para anular a renovação e/ou
concessão de outorga de cinco empresas de rádio e TV de deputados
federais. Para o MPF, houve favorecimento pessoal nas concessões, uma
vez que os parlamentares, mesmo sendo sócios das empresas
concessionárias, participaram das votações em que foram analisados e
deferidos os pedidos de outorga e de renovação dessas concessões.
O MPF analisou todas as atas da CCTCI de janeiro de 2003 a dezembro de
2005 e constatou que vários parlamentares utilizaram a função exercida
na comissão para beneficiar, direta ou indiretamente, interesses
pessoais relativos à renovações ou a outorgas de serviços de
radiodifusão. Foram denunciados os deputados Nelson Proença (PPS-RS) e
os ex-deputados Corauci Sobrinho (ex-PFL, atual DEM-SP), João Batista
(PP-SP), João Mendes de Jesus (sem partido) e Wanderval Santos (ex-PL,
atual PR-SP). Eles eram sócios, cotistas ou diretores de empresas
concessionárias do serviço de radiodifusão à época em que essas mesmas
empresas tiveram os pedidos de renovação e/ou concessão aprovados na
comissão. Os casos analisados deram origem aos seguintes processos junto
ao Tribunal Regional Federal – 1ª Região (TRF-1):
1. Alagoas Rádio e Televisão (Maceió-AL); João Mendes (sem partido); sócio-diretor - Processo 2007.34.00.026698-1
2. Emissoras Reunidas (Caxias do Sul-RS); Nelson Proença (PPS-RS); sócio - Processo 2007.34.00.026697-8
3. Rádio Continental FM (Campinas-SP); Wanderval Santos (PL/SP); sócio - Processo 2007.34.00.026700-0
4. Rádio Renascença (Ribeirão Preto-SP); Corauci Sobrinho (PFL/SP); sócio - Processo 2007.34.00.026702-7
5. Sociedade Rádio Atalaia de Londrina (Londrina-PR); João Batista
(PP/SP); sócio - Processo 2007.34.00.026699-5 (MPF..., 25 jul. 2007)
Os procuradores da República argumentaram que os atos de concessão
violaram “os princípios da legalidade, da moralidade e da
impessoalidade”. Foram propostas cinco ações civis públicas contra a
União e contra as empresas de radiodifusão beneficiadas pelas votações
dos deputados. O MPF pediu, na ação, medida liminar suspendendo
imediatamente as concessões e, no mérito, requereu a anulação definitiva
das outorgas. De acordo com os procuradores, além disso, caberia
também a condenação das empresas ao pagamento de multa por dano moral
coletivo, e os deputados poderiam ainda ser processados por improbidade
administrativa.
Dos cinco processos, pelo menos um resultou em julgamento em primeira
instância. Em acórdão publicado em 29 de outubro de 2013, a 6ª Turma do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região – seguindo o relator, o juiz
Marcio Barbosa Maia – manteve, por unanimidade, a decisão da juíza
federal Ivani Silva da Luz. Em julho de 2010, ela havia determinado a
anulação da sessão da Câmara dos Deputados na qual havia sido renovada a
concessão da rádio Atalaia, de Londrina (PR), vinculada ao então
deputado federal João Batista pelo PP de São Paulo. O acórdão se baseou
no entendimento de que a participação do parlamentar na sessão como
sócio da rádio violou os princípios da moralidade e da impessoalidade.
De acordo com a juíza, que proferiu a sentença inicial, “o fato de
parlamentar sócio da requerida haver participado da votação que renovou a
concessão macula os princípios da moralidade e da impessoalidade. Isso
porque o parlamentar tinha interesse direto na renovação, de modo que é
induvidoso que seu voto não se pautou pelo interesse público, senão em
seu próprio benefício. [...] A conduta em tese endossa na sociedade a
convicção de os parlamentares podem praticar atos administrativos em
seu favor, e, em última instância, que a máquina administrativa não é
do povo, senão que se destina a satisfazer quem está no poder” (TRF-1ª
REGIÃO, 29 out. 2013).
A decisão, inédita no país, abriu o precedente para o questionamento de
outras outorgas ou renovações de concessões em sessões que tiveram a
participação direta de sócios, cotistas ou dirigentes de empresas de
radiodifusão concessionárias. No entanto, além de caberem recursos, a
decisão do TRF ataca somente um dos vícios presentes no sistema de
outorgas de radiodifusão e não chega a julgar o mérito principal, que é
o fato de políticos com mandatos serem concessionários de
radiodifusão, contrariando o Artigo 54 da Constituição.
Na apelação apresentada ao Tribunal, a rádio Atalaia sequer respondeu
ao questionamento sobre o fato de um parlamentar ser sócio da emissora,
argumentando que “o parlamentar que participou da sessão é acionista
não-administrador [sic] da Radio Atalaia”. Alegou ainda que a
participação do deputado João Batista na sessão não comprometeria o
julgamento da comissão que aprovou a renovação da concessão. No recurso,
a ré afirmou que foram “apresentados documentos e comprovada a
regularidade da emissora quanto às questões fiscais, sindicais e
trabalhistas”, advogou que o “processo homologatório apresenta critérios
objetivos” e afirmou “que foram atendidos os requisitos previstos na
legislação”. A interpretação do TRF coíbe a atuação dos parlamentares em
benefício próprio para acessar e manter concessões públicas de
radiodifusão.
Este é mais um caso que pode ser inserido no conjunto de interferências
(diretas ou indiretas) que o Poder Judiciário tem produzido nos rumos
do direito à comunicação, fazendo das cortes um espaço de decisão
política e mesmo de “legislativo” na área, considerando as
jurisprudências que acabam regulamentando dispositivos legais, como
expõe o professor da UnB Venício Lima. São exemplos de judicializações
de conflitos essencialmente políticos o fim da exigência de diploma de
nível superior para jornalista, em 2009; a ação de
inconstitucionalidade contra o Decreto da TV Digital, declarada
improcedente em 2010; o julgamento pela inconstitucionalidade total da
Lei de Imprensa (5.290/67) – e a consequente derrubada da regulamentação
do direito de resposta, prevista no Capítulo IV dessa legislação – e,
mais recentemente, o questionamento da vinculação horária da
classificação indicativa junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
[1] Segundo o Artigo 54 da
Constituição Federal, senadores e deputados federais não podem, de
acordo com o Inciso I, item “a”, desde a expedição do diploma, “firmar
ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária
de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes”; e, de acordo com o Inciso II, Item “a”, desde a posse, “ser
proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela
exercer função remunerada”.
Daniel Fonsêca, jornalista, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e doutorando em Comunicação na ECO/UFRJ
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