Chame o ladrão
Num Estado em que maca é contabilizada como vaga em prisão, é preciso encarar indicadores com um pé atrás
Declarações sinceras de políticos ou governantes, muitas vezes, costumam
dar pistas: o sujeito está deixando o cargo e resolveu falar a verdade;
ou então trata-se de confissão de incompetência.
Ainda é cedo para saber onde encaixar afirmações como a do secretário da
Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, diante da escalada de
roubos no Estado. As palavras chegam a ser desconcertantes. "Estou
estudando. Dentro de uma ou duas semanas a gente vai ter alguma
conclusão a respeito [...]. Não adianta dizer que é isso ou aquilo,
porque isso é achismo'. Precisamos nos debruçar, estudar, fazer o
diagnóstico."
Enquanto o secretário se debruça, São Paulo vive uma epidemia de
criminalidade. Segundo manchete desta Folha, o número de roubos cresceu
em 11 das 12 macrorregiões do Estado entre janeiro e maio, na comparação
com o ano passado. A capital liderou a alta: 42%. O mais alarmante é
uma das explicações oficiais. Diz que o índice disparou porque agora é
possível registrar ocorrências pela internet. A acreditar na tese, é
provável que nos últimos anos o volume de roubos tenha sido
artificialmente rebaixado por falta de notificações das vítimas. O que,
vamos e venhamos, só piora o cenário.
Num Estado em que macas em enfermaria são contabilizadas como vagas em
presídio e apenas um em cada dez casos de roubo motivam um inquérito, o
bom senso recomenda encarar indicadores com um pé atrás. Tanto para o
bem, quanto para o mal.
Aqui vai um exemplo. O governo tucano não desperdiça chances de
comemorar a pretensa queda de homicídios. Ótimo se fosse assim mesmo.
Digo mais: todos torcemos para isso. Então surge a dúvida: até que ponto
tais números não são obra da "contabilidade criativa" que o governador
critica na esfera federal, mas que ele mesmo pratica nos dados que
distribui à imprensa? Tomando emprestado o repertório da meteorologia,
por mais que o governo paulista festeje dados sobre a queda do número de
mortes, a "sensação térmica" de insegurança no Estado é muito pior do
que imagina o pessoal do Bandeirantes. Basta ouvir as ruas e prestar
atenção ao próprio noticiário.
Até hoje, as autoridades paulistas não deram uma explicação convincente
ao papel exercido por facções como o PCC no comando da criminalidade,
mesmo seus líderes estando formalmente na cadeia. Tampouco sabe-se de
medidas eficazes para coibir delitos; assiste-se apenas a operações
espalhafatosas para ganhar espaço em telejornais. Quando não é assim,
parte-se para práticas do Velho Oeste: oferecer recompensas para quem
denunciar malfeitores. A valorização da função policial, sobretudo a
preventiva, esgota-se em discursos e promessas nunca cumpridas. Tudo
isso sem falar no péssimo exemplo da complacência com a corrupção e com
os larápios incrustados no aparelho do Estado.
Sem atacar esses males, continuaremos apenas a ouvir lamúrias e perder a carteira, quando não conhecidos e familiares.
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