Segurança: Mais de 1.400 empresas foram legalizadas em 10 UPPs
Aline Massuca/Valor
Capitão Bruno Amaral de Magalhães, comandante da UPP do Borel: “Aqui, antes, ninguém ficava na rua depois das cinco da tarde e o pouco comércio que tinha era ilegal”
Janes Rocha | VALOR
Do Rio
Novos negócios estão emergindo da pacificação de favelas no Rio de Janeiro. Nos últimos 12 meses mais de 1.400 empresas foram legalizadas em dez comunidades pobres da periferia da cidade ocupadas pela ação militar conjunta dos governos federal e estadual, denominada Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). As empresas foram registradas dentro de um programa de formalização expressa implantado pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) chamado “Empresa Bacana”, em parceria com a Prefeitura e o Sindicato dos Contabilistas.
A maioria já existia informalmente, mas estava oculta por quadrilhas de traficantes de drogas que durante anos foram os donos da área, impondo suas próprias regras e cobrando “multas” dos comerciantes. Muitas daquelas empresas, porém, são novas, fundadas por empreendedores que conhecem o potencial de negócios nas favelas, mas não tinham tranquilidade para investir.
“Aqui, antes, ninguém ficava na rua depois das cinco da tarde e o pouco comércio que tinha era ilegal”, conta o Capitão da Polícia Militar Bruno Amaral de Magalhães, comandante da UPP do Borel, comunidade na Zona Norte do Rio que está desde junho ocupada por 300 militares.
Magalhães disse que a presença de organizações como Sebrae e a Federação das Indústrias do Rio (Firjan) ajuda a envolver a comunidade e conquistar a confiança. As reuniões do Sebrae com os interessados em formalizar seus negócios no Borel são realizadas na sede do comando da UPP.
O movimento de expansão econômica dentro das comunidades pacificadas também atinge grande empresas que fornecem serviços públicos e que estão voltando a investir nas áreas ocupadas. George Moraes, vice presidente da Oi Futuro, instituto de responsabilidade social do grupo de telecomunicações, informa que a empresa está programando investimentos de R$ 15 milhões na área do Complexo do Alemão, última comunidade ocupada por UPP.
Nos próximos 120 dias, a Oi garante que vai instalar no total 11 pontos, sendo três torres 2G/3G até o fim de dezembro, que se somarão a cinco já existentes e outras três que serão instaladas até o fim de janeiro de 2011. A empresa tem 1.600 torres 2G/3G em toda a cidade do Rio de Janeiro e segundo Moraes, já investiu R$ 20 milhões em comunidades pacificadas.
A Oi vê no Complexo do Alemão um amplo mercado potencial para expansão de sua rede de terminais e instalação dos serviços de banda larga e TV por assinatura. “Num estalar de dedos, em apenas um fim de semana, surgiu uma cidade no Rio de Janeiro do tamanho de Goiânia, com mais de 500 mil habitantes, todos da nova classe C”, afirma o executivo.
A Oi tem 40 mil terminais de telefonia fixa no Alemão, clientes de uma rede que não vinha recebendo a manutenção necessária, segundo Moraes, pela impossibilidade de entrada dos funcionários à região. “O acesso a essas comunidades era limitado e muitas vezes impedido porque ali vigorava um Estado paralelo.”
Agora, a empresa já está enviando grupos de 18 pessoas, entre engenheiros de telecomunicações e topógrafos, para analisar a área para instalação das torres 2G/3G. A intenção é, no futuro, instalar uma loja no Alemão, garante Moraes.
Na sexta-feira, o Sebrae instalou o primeiro posto no centro olímpico na entrada do Complexo do Alemão. Até domingo, a equipe do órgão havia feito 164 atendimentos, sendo 89 mulheres e 75 homens. Foram feitas 90 formalizações nas atividades de comércio varejista de artigos de vestuário e bijuterias, lanchonetes e manutenção de computadores e eletrônicos.
Davi Abrantes, gerente regional do Sebrae-RJ, diz que a falta de informação entre os comerciantes nas favelas é proporcional ao interesse. Quando eles começam a ter informação e veem os benefícios, querem avançar cada vez mais”, diz Abrantes. “Temos casos de gente que entrou como empreendedor individual e já passou ao Super Simples”.
Empreendedor individual é uma categoria criada por uma lei aprovada recentemente, que diminui a burocracia e reduz as taxas e impostos para empresas com no máximo um empregado e faturamento de R$ 3 mil mensais. O Super Simples é o programa da Receita que prevê a unificação de oito tributos – seis federais, um estadual e um municipal – com o objetivo de desburocratizar a tributação para micros e pequenas empresas.
Além da formalização, o Sebrae dá um curso rápido de dois dias sobre como elaborar uma contabilidade básica, técnicas de venda, apresentação e divulgação de produtos. É uma versão reduzida e gratuita de um curso tradicional voltado a microempresários, que é pago e dura 15 dias.
A pacificação das favelas cariocas também incentivou a petroleira americana Chevron a reformular seu programa de assistência social, direcionando os recursos para o estímulo ao empreendedorismo, em vez da pura doação. “Quando começamos a pensar onde (aplicar os recursos), procuramos a UPP porque é onde o Estado está recuperando o espaço, há uma necessidade e desejo de organização”, afirmou Lia Hermont Blower, diretora de assuntos institucionais da Chevron. Em parceria com a ONG Elas – Fundo de Investimentos Sociais, a Chevron está aplicando R$ 1 milhão em projetos de incentivo ao empreendedorismo de mulheres nas comunidades de Cidade de Deus, Batan e Borel.
Da papelaria ao salão, empreendedores “tomam” os morros
Aline Massuca/Valor
Maicon Martins: “Vou instalar uma loja aqui no Alemão, porque é onde está o grande movimento de gente, e por causa da UPP, porque agora podemos trabalhar tranquilos”
“Vou instalar uma loja aqui no Alemão, porque é onde está o grande movimento de gente, e por causa da UPP, porque agora podemos trabalhar tranquilos.” A declaração é de Maicon Martins, um rapaz de 20 anos, dono de uma papelaria, falando ao Valor ao sair do posto do Sebrae, depois de ter registrado a sua empresa por intermédio do programa “Empresa Bacana”.
Maicon mora em Del Castilho, nas proximidades do Complexo do Alemão, e trabalhou os últimos cinco anos como empregado em uma papelaria do bairro onde vive. Já tinha montado sua própria papelaria este ano, informalmente, em uma garagem, quando veio a tomada do Alemão no fim de novembro. Logo ele viu o potencial de mercado e decidiu abrir uma filial.
Maicon é protagonista, assim como centenas de outros comerciantes, do movimento empreendedor que tomou conta das favelas ocupadas pela operação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), e que está mudando a cara das comunidades até pouco tempo controladas por criminosos.
Um exemplo da mudança é a avenida Independência, principal via de acesso ao morro do Borel, na zona norte do Rio. Depois de instalada a UPP em junho, a avenida está sendo tomada por estabelecimento comerciais e, lentamente, se transforma no que qualquer avenida principal de um bairro costuma ser: um lugar onde os comerciantes se instalam para aproveitar o fluxo de pessoas.
Aline Massuca/Valor
Marcio Muniz: nova padaria no Alemão tem o dobro do tamanho da anterior
Mas nem sempre foi assim. “Antes, praticamente não havia comércio por aqui, agora é o que mais cresce”, constata o capitão da Polícia Militar Bruno Amaral de Magalhães, comandante da UPP do Borel, lembrando do fogo cerrado dos soldados do tráfico, que mantinha um toque de recolher na área e inviabilizava qualquer atividade lícita.
A manicure Juliana dos Santos que o diga. Ela, que sempre sonhou ter seu próprio salão, há cinco meses abriu o primeiro estabelecimento do tipo na comunidade. Não que não houvesse manicures no Borel, mas todas trabalhavam em salões no “asfalto” ou atendendo em domicílio. Depois que Juliana abriu seu salão, outras três profissionais tomaram coragem e também abriram os seus.
Ainda ariscos e desconfiados, os moradores das comunidades se animam a investir seus parcos recursos no comércio e serviços, cientes do potencial de vendas. As 12 comunidades tomadas pelas forças policiais reúnem um total de 230 mil pessoas, sem contar o Complexo do Alemão, a maior delas, que tem aproximadamente meio milhão de moradores.
Marcio de Oliveira Muniz, 35 anos, durante sete anos manteve uma padaria num local minúsculo na avenida Independência, que funcionava quando os traficantes e os tiroteios permitiam. Há três meses, ele concluiu a reforma de uma garagem logo em frente, atravessando a rua, com cerca de 30 metros quadrados, mais que o dobro da anterior, abriu e formalizou a mercearia. Hoje, ele tem dois empregados, abriu conta no banco e diz orgulhoso que, com o CNPJ, conseguiu tirar um cartão de crédito empresarial que lhe permite comprar mercadoria a prazo, coisa impensável quando tinha a pequena padaria.
Difícil imaginar um restaurante self-service como novidade no Rio de Janeiro, mas o Saborearte é exatamente isso. Inaugurado há um mês na comunidade do Jardim Batan, o restaurante teve apoio financeiro da Chevron, mas foi totalmente idealizado e organizado por seis garotas da comunidade, que entregaram um plano de negócios e trabalham no estabelecimento, cada uma com sua tarefa.
O Saborearte atende cerca de 50 pessoas por dia e agora está chegando aos bairros do entorno. Sua comida simples e caseira está fazendo sucesso simplesmente porque nunca houve um restaurante de qualidade no Batan, apenas pensões que serviam pratos feitos, carrocinhas de sanduíches e botecos. “Queremos agora aumentar o fornecimento de quentinhas para as lojas da avenida Brasil”, disse Suellen Falcão Queiroz, uma das sócias do Saborearte. (JR)
Postado por Luis FavreComentários Tags: Borel, favelas, governo RJ, Microempresas, Prefeitura RJ, UPP
Também do Blog do Favre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário