Empresa, segundo a denúncia, tratou a compra de direitos de transmissão da Copa de 2002 como se fosse investimento no exterior.
Merval e Ayres Britto: jornalistas e juízes não podem
ter relações de amizade porque a vítima é a sociedade
Um documento vazado pela Receita Federal e publicado ontem pelo blog O Cafezinho, de Miguel do Rosário, é extraordinariamente importante.
Nele, a Receita acusa a Globo de sonegar mais de 180 milhões de reais por ocasião da compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
A Globo, segundo a acusação, teria tratado a compra como se fosse um investimento no exterior para se livrar dos impostos devidos.
Em dinheiro de 2006, segundo a Receita, o montante já subira a 615 milhões de reais, incluídas multa e correção.
O caso foi tratado em sigilo, em obediência à anacrônica legislação fiscal brasileira que destrói qualquer possibilidade de transparência num assunto de extremo interesse da sociedade.
Aplausos entusiasmados para quem vazou os papeis e para o blog.
O Brasil só lucra com este tipo de coisa.
A assim chamada ‘mídia independente’ – Folha, Veja, Estadão etc – deveria agora investigar o caso e trazer novas revelações.
É o que os jornais ingleses fariam, caso uma acusação deste tamanho, e amparada em documentação confiável, aparecesse contra a BBC.
Mas quem acredita que a ‘mídia independente’ vai fazer qualquer movimento acredita em tudo, como disse Wellington.
Mesmo assim, é um momento que pode significar uma ruptura na impunidade fiscal absurda de grandes empresas como a Globo.
O simples fato de a história aparecer – ainda que apenas na internet – é um avanço considerável: embaraça o infrator, inibe ações iguais e gera para a sociedade informações essenciais.
Várias vezes me perguntei por que a barreira absurda do silêncio na Receita Federal não era rompida por vazamentos.
Apareceu o primeiro deles.
Será muito bom, para o país, se mais vazamentos surgirem, caso a justiça não se modernize e não retire a proteção do sigilo dada a sonegadores.
Transparência é o melhor detergente ético, como escreveu um juiz americano.
Quem conhece a Globo não tem o direito de se surpreender com essa denúncia, e nem com qualquer outra que apareça.
O comportamento da Globo, desde Roberto Marinho, é pautado por um instinto predador no qual para os acionistas ficarem bilionários as barreiras éticas são atropeladas sem nenhuma cerimônia. É um caso ainda mais dramático se tratando de um caso de concessão pública como é a tevê.
A Globo consagrou a transformação, com finalidades fiscais, de funcionários caros em pessoas jurídicas, os infames PJs.
Os cofres públicos são lesados. Isso significa que dinheiro que poderia construir uma escola ou um hospital é subtraído.
Eventualmente problemas com PJs aparecerão na frente, depois que o funcionário é despedido ou se despede.
Um caso notável em andamento na justiça é do jornalistas Carlos Dornelles, que virou PJ e agora, fora da Globo, exige indenização pelo que não lhe foi pago.
Isso tudo se chama corrupção.
A Globo montou um esquema quase perfeito para perpetuar – com risco perto do zero – suas atitudes predadoras.
Por exemplo: uma disputa judicial gigante pode dar no STF. Aí você entende melhor as relações que a Globo cultiva com os juízes mais importantes do país.
Joaquim Barbosa, há pouco tempo, foi ao Globo receber um prêmio do jornal. Ayres Britto, recém-saído do Supremo, fez o prefácio do livro de Merval Pereira sobre o Mensalão.
Como noticiou o Diário, o Supremo há alguns meses patrocinou a viagem de uma jornalista da Globo para cobrir uma viagem de Barbosa à Costa Rica.
São relações condenáveis em qualquer circunstância porque a vítima é a sociedade, que necessita de instâncias de poder independentes de poder que se vigiem uns aos outros.
No jornalismo, a máxima eterna do editor Joe Pulitzer estabelece: “Jornalista não tem amigo.”
Isso porque o jornalista não vai cobrir direito um amigo.
O mesmo vale para a justiça: juízes não podem ter amigos.
O presidente do Bayern de Munique teve que pagar uma fiança
milionária para não ser preso por usar paraíso fiscal
No mundo todo, a questão dos impostos está sendo tratada com severidade, dado seu impacto na desigualdade social.
Quando a sonegação se espalha entre as grandes empresas, ou o 1%, quem paga a conta é a voz rouca das ruas, os 99%: seus direitos são extirpados.
Ou pelo menos eram.
Os protestos mundo afora de ‘indignados’ – a começar pelo Ocupe Wall Street – foram uma resposta vigorosa a uma esta situação abjeta que transferiu riqueza em quantidade incalculável para poucos.
Agora, os governos estão sendo muito mais duros com a sonegação.
Em vários países as autoridades publicaram as trapaças legais e amorais de empresas como Google, Apple e Microsoft para evitar impostos.
O expediente se dá por paraísos fiscais, lugares em que você monta uma empresa de fachada apenas porque a carga fiscal é irrisória ou nula.
Na França, um ministro do governo Hollande foi sumariamente despedido quando se soube que ele usara um paraíso fiscal.
Na Alemanha, o presidente do Bayern de Munique teve que pagar uma fiança de 5 milhões de euros para evitar momentaneamente a cadeia quando se soube que ele burlara o fisco alemão com o uso de paraísos fiscais.
O presidente da Alemanha disse, a propósito do caso: “É absolutamente intolerável que pessoas na Alemanha imaginem que podem se livrar dos impostos estipulados.”
No caso denunciado pelo Cafezinho, um paraíso fiscal teria sido utilizado.
O Brasil está sendo, neste momento, reconstruído.
Chegou a hora de fechar o caminho para práticas fiscais deletérias que não fazem senão aumentar a iniquidade social brasileira.
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