Uma
grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de
analistas sociais conservadores se levantou contra a Política Nacional
de Participação.
Carta Maior - 30/06/2014
Leonardo Boff
Uma
grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de
analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou
furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política
Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem
introduz novos itens de participação social.
Apenas procura
ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do
século pássado, mas que nos últimos anos se multiplicaram
exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o
Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo. O
Decreto reconhece esta realidade e a estimula para que enriqueça o tipo
de democracia representativa vigente com um elemento novo que é a
democracia participativa. Esta não tem poder de decisão apenas de
consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais
e nacionais.
Portanto, aqueles analistas que afirmam, ao arrepio
do texto do Decreto, que a presença dos movimentos sociais tiram o
poder de decisão do governo, do parlamento e do poder público laboram
em erro ou acusam de má fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a
se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de
costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.
Valho-me
das palavras de um sociólogo e pedagogo da Universidade de Brasília,
Pedro Demo, que considero uma das mentes mais brilhantes e menos
aproveitadas de nosso país. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz
enfaticamene:”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia
refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última
instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o
fim. Políitico (com raras exceções) é gente que se caracteriza por
ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e
apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no
mercado por cima…Se ligássemos democracia com justiça social, nossa
democracia seria sua própria negação”(p.330.333). Não faz uma caricatura
de nossa democracia mas uma descrição real daquilo que ela sempre foi
em nossa história. Em grande parte possui o caráter de uma farsa,. Hoje
chegou, em alguns aspectos, a níveis de escárnio.
Mas ela pode
ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelos centenas de
movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando
as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Por força
da verdade, importa reconhecer, que, entre acertos e erros, ele ganhou
outra configuração a partir do momento em que outro sujeito histórico,
vindo da grande tribulação, chegou à Presidência da República. Agora
esses atores sociais querem completar esta obra de magnitude histórica
com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um
modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto –
democracia sem fim – no dizer do sociólogo português Boaventura de Souza
Santos.
Quem conhece a vasta obra de Norberto Bobbio um dos
maiores teóricos da democracia no século XX, sabe das infindas
discussões que cercam este tema, desde do tempo dos gregos que, por
primeiro, a formularam. Mas deixando de lado este exitante debate,
podemos afirmar que o ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto
final da democracia como querem os liberais. É um patamar que permite
outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política:
realizar o bem comum através da vontade geral que se expressa por
representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada. Dito
de outra forma: é criar as condições para o desenvolvimento integral
das capacidades essenciais de todos os membros da sociedade.
Isso
no pensar de Bobbio - simplificando uma complexa discussão – se
viabiliza através da democracia formal e da democracia substancial. A
formal se constitui por um conjunto de regras, comportamentos e
procedimentos para chegar a decisões políticas por parte do governo e
dos representantes eleitos. Como se depreende, estabelecem-se regras
como alcançar a decisões políticas mas não define o que decidir. É aqui
que entra a democracia substancial. Ela determina certos conjuntos de
fins, principalmente o pressuposto de toda a democracia: a igualdade de
todos perante a lei, a busca comum do bem comum, a justiça social, o
combate aos privilégios e a todo tipo de corrupção e não em último lugar
a preservação das bases ecológicas que sustentam a vida sobre a Terra e
o futuro da civilização humana.
Os movimentos sociais e a
sociedade organizada, podem contribuir poderosamente para essa
democracia substancial. Especialmente agora que devido à gravidade da
situação global do sistema-vida e do sistema-Terra se busca de um
caminho melhor para o Brasil e para o mundo. Com sua ciência de
experiências feita, com as formas de sobrevivência que desenvolveram em
500 anos de marginalização,com suas tecnologias sociais e com seus
inventos, com suas formas próprias de produzir, distribuir e consumir,
em fim, tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de
Brasil no qual tudos possam caber, a natureza inteira incluída.
Uma
democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta
contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de
secundarmos o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de
Participação Social, tão irrefutavelmente explicada em entrevista na TV e
em O Gl0bo (16 /6/2014) pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da
Presidência Gilberto Carvalho.
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