Wanderley Guilherme dos Santos
Postular dogmaticamente que
o feito poderia ser feito melhor é a forma mais leviana de um jornalão
confessar que, apesar do que foi ou venha a ser feito, continuará contra
Em 1963, a Acadêmicos do
Salgueiro adentrou a avenida Presidente Vargas para ganhar o carnaval e
revolucionar o desfile das escolas. Seu samba-enredo narrava a história de uma
escrava e, para espanto de todos, começava assim: "Apesar de não ter
grande beleza". Como? Onde já se viu um samba começar com
"apesar"? Bem, tratava-se da famosa Chica da Silva que, mesmo sem
dispor de excelência física, "encantou a mais alta nobreza". O samba?
Maravilhoso.
Os autores da ousadia,
Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira, transgrediram criativamente a rotina das
letras e utilizaram com perfeição um recurso estilístico. Lamentaram o que
seria de lamentar – a ausência de perfeição estética da mulher – para melhor
exaltar um grande feito: a conquista do coração do contratador João Francisco
de Oliveira, "que a tomou para ser a sua companheira".
Pois 50 depois, o jornal O
Globo estampou em sua primeira página de domingo, 2/6/13, matéria sobre
trabalho infantil que começava assim: "Apesar dos avanços no combate ao
trabalho infantil desde os anos 90..." ao que se seguia informação sobre o
possível número de crianças e adolescentes ainda trabalhando em atividades
perigosas, e terminando com o registro de que "Para os especialistas, o
país não deve cumprir a meta de erradicar esse tipo de trabalho até 2015".
A Organização Internacional do Trabalho acabava de publicar relatório sobre
eliminação do trabalho infantil apontando que o programa bolsa família foi
responsável por parte da significativa redução de 13,4% no contingente de
trabalho infantil no Brasil, entre 2000 e 2010. Especificamente, segundo o
IBGE, o número de crianças e adolescentes trabalhadores decresceu de 5,3 para
4,3 milhões, entre 2004 e 2009. Um milhão a menos em cinco anos. O jornal O
Globo, ao contrário dos criativos compositores do Salgueiro, transformou uma
comemoração em velório, apresentou pêsames aos resgatados de um desastre e
exaltou um evento que, segundo especialistas, não acontecerá daqui a dois anos.
Tudo em primeira página garrafal. Que jornalismo é esse?
Mais do que engajado
partidariamente, trata-se de um jornalismo de péssima qualidade profissional,
não bastasse o estilo chulamente cafajeste de seus colunistas. Os redatores são
incompetentes ou corrompidos. Inúteis até para formar a opinião dos leitores de
oposição ao atual governo, pois a que serve a disseminação da ideia de que, não
importando o esforço da sociedade brasileira, ela não será capaz de superar
seus problemas? Instilando desalento e baixa auto-estima no segmento que o lê,
o jornal busca a erosão das expectativas positivas sobre o futuro de bem
sucedido projeto de transformação econômica e social, em curso desde 2003.
Derrotismo de derrotados faz mal a seus seguidores.
E a confusa manipulação
estatística na apresentação dos resultados da pesquisa do IBGE sobre desempenho
industrial no primeiro trimestre de 2013, divulgados terça-feira, dia 4/6,
reitera o padrão negativista do jornalão carioca, que leva seus profissionais a
atingirem o orgasmo ao anunciar alguma catástrofe, mesmo quando o anunciado não
o é. Em relação a abril de 2012, a indústria cresceu 8,4%, com indicadores
positivos em 23 das 27 atividades, 58 dos 76 subsetores e 63,4% dos produtos
pesquisados. Obscurecendo o disseminado impulso positivo da indústria, em texto
ininteligível, o jornal ressaltou o hiato que resta recuperar em relação aos
níveis de 2011 (O Globo, 5/6/13, p.19). Humor de hiena.
Já em início de
campanha eleitoral, o momento é oportuno para balanços críticos do governo e de
suas políticas – e aqui faremos alguns. Faltam jornais capazes de identificar,
divulgar e analisar os problemas reais, pois contam com recursos materiais para
percorrer estados e municípios, registrando negligências e omissões. Postular
dogmaticamente que o feito poderia ser feito melhor é a forma mais leviana de
um jornalão confessar que, apesar do que foi ou venha a ser feito, continuará
contra, atravessando, além do samba, a caminhada.
Do Blog O TERROR DO NORDESTE.
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