Por Diogo Costa
Escutam-se murmúrios, aqui e alhures, sobre o impasse da reforma
política, da democratização das comunicações, da reforma agrária e de
outros temas sensíveis aos anseios populares. Alguns mais afoitos são os
primeiros a decretar: "A culpa é do PT"! Será?
Nem é preciso ser um cientista político renomado para saber que reformas
estruturais não se fazem com uma varinha mágica de condão. Se fazem com
a aprovação de projetos via legislativo, dentro dos marcos da
democracia liberal burguesa clássica, ou através de uma revolução social
como a Revolução Francesa de 1789 ou a Revolução Russa de 1917. No caso
do Brasil, temos o horizonte das reformas dentro da democracia liberal,
posta e garantida pela Constituição.
Uma pessoa medianamente informada sabe que para se aprovar um simples
projeto de lei no Congresso Nacional, são necessários os votos de 257
deputados federais e de 41 senadores. Sabe também que para se aprovar
uma Emenda Constitucional são necessários os votos de 308 deputados
federais e de 49 senadores. Pois bem, o PT tem apenas 87 deputados
(16,9% do total) e 12 senadores (14,8% do total). Logo, vê-se que o
argumento de que o PT não faz reformas porque não quer fazê-las, ou
porque tem medo, é uma falácia.
Mas é preciso ir mais além. Aqui e acolá surgem idéias de alguns
apressados (e equivocados) dizendo que o PT deveria aprofundar e tornar
preferencial sua aliança com o PMDB, tornando-a mais sólida no Congresso
Nacional, pois os dois maiores partidos garantiriam, com folga, as
votações mais importantes. É mesmo? Nem que o PMDB fosse o partido mais
coeso e fiel da face da Terra estaria garantido que apenas ele e o PT
pudessem implementar sozinhos qualquer tipo de reforma! A soma de PT e
PMDB garante 168 deputados e 32 senadores. Ou seja, não aprovariam nem
um mísero projeto de lei.
Agora vem o drama da esquerda. A esquerda (PT, PSB, PC do B, PDT e PSOL)
não tem sequer 1/3 dos votos no Congresso Nacional. Destes menos de 1/3
dos votos o PT responde por pouco menos da metade. Pior do que isso é o
fato de que em temas como a reforma política e a democratização dos
meios de comunicação nem mesmo a esquerda é capaz de apresentar
propostas conjuntas. O PSB e o PDT são contra a reforma política (já
haviam votado contra em 2007) e contra uma Ley de Medios 'Made in
Brazil'. Ou seja, é outra rotunda falácia dizer que o PT não faz
reformas porque não quer fazê-las ou porque tem medo das mesmas. Se o PT
não tem o apoio sequer de alguns dos partidos de esquerda, como uns e
outros pretendem que as reformas estruturantes sejam aprovadas? Só se
for com a famosa varinha mágica de condão...
Outro argumento falacioso é o de comparar a situação brasileira com a
situação política totalmente distinta existente em outros países da
América do Sul, notadamente na Venezuela, na Bolívia ou no Equador. Nada
mais fantasioso e falso! Se o PT tivesse a força que tem o PSUV na
Venezuela ou a força do MAS na Bolívia, todas as reformas estruturais já
estariam feitas há muito tempo. Ocorre que o PT não tem toda essa
força. O PT lidera uma coalizão de partidos, o PT não governa sozinho. O
PT não tem 308 deputados federais e também não tem 49 senadores. Se
tivesse essa maioria consolidada, como os congêneres partidos
venezuelano e boliviano tem, e, ainda assim não fizesse as reformas,
todas as críticas do mundo seriam corretas e pertinentes. Mas não levar
em conta as diferenças dos processos sociais existentes em diferentes
países torna as críticas inconsistentes.
Seria até interessante ver em 2014, por exemplo, uma vitória do PSOL
para a presidência da república. Plínio de Arruda Sampaio eleito e
subindo a rampa com seus hipotéticos 10 deputados federais e hipotéticos
05 ou 06 senadores. Certamente em seis meses o Brasil veria a
concretização das aspirações dos movimentos populares! Em seis meses
teríamos a aprovação de todas as reformas progressistas de que o país
necessita há décadas! Tirando a ironia, vale destacar que isso não
valeria só para o PSOL, se vencesse o pleito de 2014 ou outro pleito
qualquer, isso valeria e vale também para o PSTU, para o PSB, enfim,
vale para qualquer partido político. Ou seja, a vida não é um mar de
rosas e nem se passa numa película em preto e branco. A disputa política
envolve uma série de mediações que jamais podem ser desconsideradas.
Entre o slogan e a vida real existe uma considerável distância que só é
vencida com o acúmulo de forças, não com palavras de ordem ou
arrivismos.
Os mais inocentes deveriam saber também que em 1964 o antigo PTB, que
propugnava pelas corretíssimas reformas de base, tinha uma
representatividade parlamentar muito maior que a representatividade
parlamentar que o PT tem no Congresso Nacional nos dias de hoje. E aí,
será que o antigo PTB, com força congressual muito maior que o PT atual,
também não fez reformas porque não quis ou teve medo? Será que caiu por
culpa de seus próprios defeitos e limitações?
Esse é o grande enigma da política brasileira atual e a origem do
impasse que entrava e paralisa as reformas estruturais. O problema do
país não é o PT ou a esquerda, mas a debilidade do PT e da esquerda. O
PT precisaria ter o dobro do tamanho que tem! A esquerda precisaria ter o
dobro do tamanho que tem! Esse é o fato concreto. E aí quando o PT
propõe temas como a reforma política, que beneficiaria todos os partidos
programáticos e enterraria os fisiológicos, setores da esquerda votam
contra... A 'culpa' é de quem mesmo?
Enfim, na atual conjuntura não resta outra saída a não ser continuar
lutando pelas transformações sociais, discutindo temas estruturais e
fomentando a participação dos movimentos sindicais, estudantis e
sociais. É preciso aumentar a massa crítica em favor das reformas e
saber que, sem mobilizações sociais de grande monta, fica muito difícil
aprovar qualquer tema mais polêmico. O que não dá é para cair no conto
do vigário de que os males da humanidade são culpa da 'paúra' do PT.
Isso é uma bobagem pueril.
Há um enorme espaço para o crescimento da esquerda em Pindorama, desde
que os militantes de esquerda critiquem a direita! Enquanto esses
militantes se detiverem na inglória tarefa de tentar destruir o Partido
dos Trabalhadores, continuarão apenas a cumprir um triste e
profundamente equivocado papel.
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