A forma menos adequada de buscarmos a compreensão de um fenômeno social
complexo é a simplificação. Não encontraremos uma única motivação para
os recentes protestos que se espalharam pelas principais cidades do
país, se o procurarmos. Temos questões mais gerais e universais ao lado
de outros muitos temas locais e setoriais. Há aspectos que aproximam os
manifestantes de São Paulo aos do Rio e de Porto alegre e, outros
tantos, que os distanciam.
O papel da internet e das redes sociais é central e, em geral, os
políticos e formadores de opinião não o tem compreendido minimamente.
Buscar algum grau de compreensão do atual fenômeno, a partir do ponto de
vista de uma esquerda que se coloca diante do dificílimo desafio de
governar transformando, é o objetivo desse breve artigo.
O que se pode dizer preliminarmente é que estamos diante de uma
expressão política do novo Brasil. A revolução democrática, levada a
termo pelos governos Lula, redefiniu a estrutura de classes da sociedade
brasileira, incluiu milhões de brasileiros à sociedade de consumo e
possibilitou a emergência de novas expressões culturais e políticas. Mas
o inédito processo de inclusão social e econômica ainda é imperfeito,
inconcluso e contraditório. As dinâmicas políticas decorrentes do
processo massivo de inclusão social em curso ainda são imprevisíveis,
mas algumas pistas são visíveis e exigem da esquerda brasileira uma
reflexão mais adensada.
As conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas da
despolitização da política, de uma onda conservadora que constrange o
Congresso Nacional e paralisa os partidos de esquerda, distanciando,
ainda mais, a juventude da política tradicional. Lembremos que,
recentemente, tivemos manifestações espontâneas, em todo o país, contra a
indicação de Marcos Feliciano à Comissão de Direitos Humanos do
Congresso Nacional. Na oportunidade, nenhum manifestante propunha o
fechamento do Congresso ou a criminalização dos políticos. E o que fez
nosso Parlamento enquanto Instituição? Nada. Esperou solenemente o
movimento se dispersar. Frente à onda conservadora que estimula a
homofobia, o racismo e a violência sexista, o que têm feito os partidos
políticos? Os ruralistas de sempre se organizam no Congresso Nacional
para anular os direitos dos indígenas e o que dizem nossos parlamentares
progressistas?
Os dez anos de governo de esquerda no país nos deixam um legado de
grandes conquistas, entretanto, há incerteza e imprecisão quanto aos
próximos passos. Demandas históricas não atendidas carecem de respostas
mais amplas. Além disso, novas questões sempre se impõem num cenário de
conquistas sociais e políticas. Pois, se é verdade que os governos do PT
incluíram milhões e possibilitaram acesso a inúmeros serviços antes
inacessíveis, também é verdade que temos, em diversas áreas, serviços de
baixa qualidade e, fundamentalmente, caros.
O transporte nas grandes cidades é um drama cotidiano para milhões de
brasileiros. Temos pleno emprego em diversas regiões metropolitanas do
país e, no entanto, ainda temos um oceano de precariedade e
informalidade. E aqueles que ingressaram na sociedade de consumo nos
últimos anos, legitimamente, querem mais: anseiam por cultura, lazer,
mais e melhores serviços, educação de qualidade, saúde, segurança e
transportes. São os efeitos colaterais de toda experiência exitosa de
redução das desigualdades sociais e econômicas.
Evidentemente, há ainda o afastamento e o desencantamento com a política
e os políticos. A denominada "crise da representação" não é um conceito
acadêmico abstrato. O déficit de democracia e de legitimidade das
Instituições políticas colocam em xeque a capacidade dos atuais
representantes em absorver e compreender as novas dinâmicas sociais e
políticas que se expressam nas ruas do país. Nossa jovem democracia
corre o risco de caducar precocemente, caso não tenhamos êxito em
ressignificá-la e reaproximá-la dos setores sociais mais dinâmicos.
Essas seriam algumas das questões mais gerais que aproximam os
movimentos do Sul, sudeste e nordeste. Mas há ainda temas locais que
incidem sobre dinâmicas especificas e mobilizam pessoas a partir de
questões mais sensíveis a partir de sua vivência concreta nos
territórios.
O Rio de Janeiro, por exemplo, se tornou uma das cidades mais caras do
mundo. Há uma reorganização em grande escala do espaço urbano e há
setores sociais que se sentem completamente alheios (e marginalizados)
ao processo de "modernização" da cidade. Em São Paulo, temos uma polícia
orientada para o uso desmedido e desproporcional da força e da
violência – e isso não diz respeito somente aos dias de protestos.
Também há ali um tipo de violência estrutural contra homossexuais e
mulheres sem que o Poder Público organize qualquer resposta mais
contundente. Poderíamos estender a lista.
Por fim, cumpre registrar que seria recomendável aos dirigentes
políticos do campo progressista afastar o risco de reproduzir aqui os
erros da esquerda espanhola que, inicialmente, criminalizou o 15-M e
terminou falando sozinha nas últimas eleições. Também seria recomendável
não outorgar, de forma alguma, às elites brasileiras uma capacidade de
mobilização que ela não possui e jamais possuirá. Refutar a ideia de que
os jovens estão nas ruas em função da mídia ou de qualquer tipo de
conspiração das "elites" é o primeiro passo para não cair em um erro
elementar que seria bloquear qualquer possibilidade de dialogo com esses
novos movimentos.
Melhor acreditar que é possível extrair do atual momento elementos para a
renovação da agenda da esquerda brasileira e reforçar os laços que unem
os governos progressistas da América Latina a todas as lutas contra as
diversas formas de privatização da vida. É hora de reforçarmos nossa
capacidade de dialogo, de escuta, e ouvir a voz nada rouca das ruas – a
mesma que nossos adversários sempre buscaram silenciar. Estamos diante
de uma oportunidade singular para renovarmos nossos discursos e nossas
práticas, projetando o próximo passo da Revolução Democrática no Brasil
com base na força sempre renovadora das mobilizações da juventude.
Vinicius Wu, Secretário-geral do governo do Estado do Rio Grande do SulNo Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário