A brasileira (?) Carla Dauden teve
seus 15 dias de fama virtual graças à realização de um vídeo de boicote à
Copa do Mundo do Brasil.
Sabem os profissionais da TV, da Publicidade, do Marketing, das
Operações Psicológicas (Psy Ops), entre outros, que uma mensagem aumenta
bastante seu potencial de convencimento se ela é transmitida de
maneira atraente, por uma pessoa bonita, bem vestida e pertencente à
mesma faixa etária do seu público-alvo.
Melhor ainda se essa pessoa tem voz agradável, expressa-se com aparente
naturalidade, e parece compartilhar valores com quem pretende
convencer. Ajuda bastante quando a mensagem vem de um país tido como
mais evoluído porque a aura de superioridade se transfere para o
conteúdo da fala.
Vamos ao vídeo.
1. O artifício de afirmação da autoridade de quem emite a mensagem.
Logo no início, Carla afirma: “Um dos motivos que me levou (sic) a
fazer esse (sic) vídeo, (sic) é que toda vez que eu falo pra alguém que
eu sou do Brasil, alguém do grupo diz que vai pra copa do mundo (sic)”.
Hum… isso é bom. Só que não.
Carla faz cara de zangada, olhando fixamente para o espectador durante
alguns segundos, artifício emocional utilizado para estabelecer sua
autoridade sobre o restante da mensagem. A intimidação visual é recurso
clássico de submissão do adversário, no reino animal. Quando gorilas
batem várias vezes no próprio peito, quando cães arreganham os dentes,
quando o professor olha fixamente para o aluno, a reação do alvo é
instintiva porque entra em jogo o instinto de proteção ou de
sobrevivência.
Quem gostaria de ser rejeitado por uma belezura dessas?
A relação entre intimidador e intimidado se dá no nível mais primitivo,
biológico, do organismo. Nos seres humanos, esse nível corresponde às
camadas mais arcaicas do nosso cérebro, o “cérebro ou complexo
reptiliano”, ou a parte “animal” deste órgão.
O olhar fixo e intimidador (“uma ferramente muito poderosa de
intimidação, mesmo em adultos”) é estudado em livros sobre as técnicas
da influência e em sites de linguagem corporal.
Como você reage a um olhar direto, silencioso e reprovador, mantido por
vários segundos? Instintivamente, reconhece que a situação é perigosa e
que ali está uma autoridade, um poder que não quer ou deve ser
contrariado.
Qual é a imagem que se vê, parada, na apresentação imediata do vídeo?
Agora pense bem. Que coisa horrível, não? Alguém querer visitar o
Brasil, gastar o seu dinheiro aqui, encantar-se com nosso povo e nossos
costumes, vibrar com a Copa, voltar ao país natal e recomendar aos
parentes, amigos e colegas que façam turismo em nossas terras…
2. A montagem das respostas à pergunta sobre a identidade social do Brasil.
A seguir, Carla afirma que foi às ruas entrevistar americanos para
saber o que lhes vinha à mente quando pensavam sobre o Brasil. Repare
nas pessoas consultadas por Carla.
Seis pessoas. Com sinceridade, você vê nessas imagens algum americano
típico? É possível, objetivamente, extrair uma média da opinião do
norte-americano sobre o Brasil, a partir desses seis indivíduos? Assista
novamente a esse trecho e perceba como ele poderia fazer parte, não de
um vídeo sério, mas de um vídeo cômico.
A propósito, Carla, procure conhecer a falácia da amostra não
representativa. Vai bater um “já vi isso antes”. Ou “já fiz isso antes”,
melhor dizendo.
Repare também, leitor(a), como esses clichês de resposta combinam com a
batucada que acompanhou o olhar intimidador de Carla. Esta técnica,
também clássica, é chamada priming, e consiste na criação de uma
predisposição psicológica. Ao associar nosso país à batucada do samba,
no momento anterior, Carla tornou mais críveis as respostas
selecionadas de seus entrevistados. Em literatura, a técnica
denomina-se foreshadowing (“prenúncio”, ou antecipação de conteúdo).
Nesse trecho, Carla utilizou ainda uma das técnicas mais primárias de
convencimento visual: a montagem de respostas cuidadosamente
selecionadas, obtidas de uma amostra mínima de um todo. Se você já
assistiu a algum programa eleitoral, sabe do que estou falando.
(Detalhe: ela é diretora de cinema e fotografia.)
Por que Carla não fez a mesma pergunta a seus colegas de estudo ou
trabalho, mais bem informados que essa amostra “contaminada”? Por que
não buscou americanos típicos na rua, em áreas de bom poder aquisitivo?
Por que não entrevistou jovens universitários? Executivos? Mulheres
modernas de meia-idade?
Porque a resposta seria diferente. Porque eles conhecem vários outros
aspectos do nosso país, que não combinariam com a intenção da
perguntadora.
Além disso, a pergunta de Carla foi capciosa. Todos nós, quando somos solicitados a dizer o que pensamos imediatamente
sobre um grupo humano, tendemos a recuperar da memória os clichês, os
chavões, sobre esse grupo. Faça o teste. Pense em “ingleses”. Agora
“franceses”. Agora “muçulmanos”.
Percebeu?
3. As mentiras de Carla sobre o custo da Copa do Mundo.
Carla afirma, a seguir: “A copa do mundo (sic) vai custar
aproximadamente 30 bilhões de dólares. Isto é mais do que 3 últimas
copas (sic) somadas juntas (sic). Elas custaram juntas (sic)
aproximadamente 25 bilhões de dólares”.
Em nossa moeda, 30 bilhões de dólares equivalem a mais de 60 bilhões de reais.
Tem Google aí nos Estados Unidos, Carla? Você sabe usá-lo? Não parece.
Vai daqui uma ajudinha. Acesse o Portal da Transparência (dados
monitorados pela Controladoria-Geral da União):
Logo na página inicial você verá este valor:
Clique no menu à esquerda, em Ações e Empreendimentos, Por Tema. Você verá isto (clique para ampliar):
Repare especialmente naquele zerinho na coluna Federal, em Estádios.
Bela surpresa, não? Por que você não fez essa pesquisa básica?
Estão aí as despesas específicas e o total de gastos para a Copa das
Confederações e a Copa do Mundo. De onde você tirou a quantia absurda de
mais de 60 bilhões de reais?
E quanto ao custo das três últimas Copas do Mundo? A matéria do link a
seguir, exemplo do jornalismo de futurologia, cita um estudo de 2011
que alertava para a possibilidade de um gasto de 40 bilhões de reais na
Copa. Previsão furada. Mas ela tem a informação que você negou aos seus
espectadores, Carla.
As últimas três Copas, elas sim, custaram 30 bilhões de dólares (e não 25, como você afirmou), mais do que o dobro do custo previsto para a Copa do Mundo a ser realizada no Brasil.
Espero que você seja mais cuidadosa na produção dos seus filmes, do que
prova ser no trato das informações financeiras dessa questão.
4. As mentiras de Carla sobre a situação social do Brasil.
“Agora me diga: em um país onde o analfabetismo (sic) pode atingir 21% e é (sic) em média 10%.”
Como fica a sua credibilidade, Carla, ante mais esse dado falso (e
artificialmente jogado para cima) sobre a realidade brasileira?
“Um país que é número 85 no ranking do desenvolvimento humano e onde 13
milhões de pessoas passam fome todo dia, e onde muitas e muitas
pessoas morrem esperando por tratamento médico. Esse país precisa de
mais estádios?”
Como está a tendência no Brasil?
E nos Estados Unidos?
Como vai a questão da fome, aqui?
Você não me parece uma pessoa muito dada a buscar a verdade completa dos fatos, Carla.
Conhece um país onde mais gente passa fome do que no Brasil?
“Fome nos Estados Unidos é tema de documentário”
Para ilustrar a situação brasileira quanto à Saúde, Carla apresenta um
vídeo de uma médica revoltada com os políticos, por causa do excesso de
pacientes e da falta de pessoal.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que dá cobertura total a todos
os seus cidadãos, através do Sistema Único de Saúde (SUS). O governo
federal entra com a verba, e os municípios cuidam de sua aplicação. São
136 bilhões de reais aplicados somente no SUS, a cada ano.
Vamos comparar?
Relato de um brasileiro, no mesmo site:
Este relato é de uma brasileira que mora nos EUA, assim como você. Mas ela parece ser mais consciente da situação real.
Quer mais?
“Cerca de 50 milhões de pessoas não são assistidas por nenhum
seguro-saúde nos EUA, um país com uma população total de mais 310
milhões, segundo os últimos registros americanos.”
“O sistema de saúde dos EUA é o mais caro do mundo e 31° melhor em
cobertura e assistência à população, segundo a Organização pela
Cooperação Econômica e Desenvolvimento, a OECD.”
O Brasil tem cobertura total. Ver apenas o lado negativo das situações,
sem contextualizá-las e sem comparar com os dados de outros países,
denota intenção prévia de depreciação.
Duvido que você usasse esses dados para falar contra uma Copa do Mundo disputada nos Estados Unidos.
Falaremos mais das verbas para a Saúde, adiante.
5. A falácia do espantalho.
“Alguns políticos argumentam que a copa do mundo (sic) é o incentivo
que (sic) o nosso país precisava para ficar melhor. Espera aí, o quê?
Então a gente tem pagado (sic) impostos todos esses anos… Pra que(sic)?
Que país precisa de um incentivo para cuidar das suas pessoas? De
repente, há todo esse dinheiro pra construir estádios e a população é
levada a crer que a copa do mundo (sic) é a mudança que (sic) eles tanto
precisavam pra vida deles ficar melhor.”
Que políticos, Carla? Repare que você apresenta o argumento e depois
baseia sua crítica inteiramente nele, numa espécie de
ouvi-dizer-e-não-gostei.
Sabe como se chama essa técnica? A falácia do espantalho. Atribui-se um
argumento falso (e frágil) ao adversário (“a Copa do Mundo é o
incentivo que (sic) o nosso país precisa para ficar melhor”), e
depois, com facilidade, ataca-se o argumento. Repare como você repete
duas vezes o verbo “precisar”, para estabelecer essa falsa conexão.
Ninguém fez nenhuma associação entre a Copa do Mundo e a melhoria geral
de vida do brasileiro. Pelo contrário, a própria conquista desse
direito (sediar a Copa do Mundo) foi vista como um resultado da
melhor situação do país, nacional e internacionalmente, à época da
escolha. E os investimentos nacionais e estrangeiros no evento, somados
ao dinheiro trazido pelos turistas, foram vistos como um fator
impulsionador, a mais, desse desenvolvimento.
A propósito, esta é mais uma falácia, Carla: tomar o efeito pela causa. Google nela.
6. As mentiras de Carla sobre o faturamento da Fifa e sobre os benefícios diretos e indiretos da Copa.
“Mas a verdade é que a maior parte do dinheiro gerada pelos jogos e
estádios vai direto para a FIFA. E nós nem vemos esse dinheiro.”
Até para as mentiras há limite, Carla. A menos que você queira ser
vista como uma mitômana (para quem não sabe, “mitômano” é alguém que tem
a compulsão de mentir). Você realmente procurou saber, antes de
afirmar? Pesquisou o montante dos lucros da Fifa, para compará-lo com o
retorno obtido pelo país-sede?
Sabe quanto a Fifa lucrou com a Copa do Mundo disputada na África do
Sul? 5 bilhões de reais. Isso. Veja aqui (e não se pode dizer que é uma
notícia favorável ao Brasil).
Vamos fazer um cálculo? Segundo estudo conjunto da Fundação Getúlio Vargas e da firma Ernst & Young…
A Fifa leva 5 bilhões, nós levamos 142 bilhões. É jogo ou não é? Quem leva a melhor?
Mais:
“E o dinheiro que vem de turistas e investidores vai direto para as
mãos daqueles que já têm dinheiro. Então sim, talvez aquele homem
vendendo sorvete na praia vai ter uma semana boa, mas o evento vai mesmo
mudar a vida dele?”
De novo, aquele olhar de menina superior e má, enquanto o som da batucada indica os destinatários do desprezo explícito.
Leu o subtítulo da manchete acima, Carla? “Serão gerados 3,63 milhões
de empregos.” Acho que você viu fotos, por exemplo, dos trabalhadores
construindo os estádios, não viu?
Todos os benefícios diretos e indiretos da Copa, para a população, são
reduzidos por você a um benefício temporário para “aquele homem
vendendo sorvete na praia”. Ele, o único beneficiário brasileiro da Copa
do Mundo (além dos figurões). Preciso apontar o erro lógico? Uma dica:
digite “apelo ao ridículo” no Google.
Agora pense na ocupação de apartamentos, hotéis, motéis, pensões. Soube
do aumento no valor do aluguel? Pense nos gastos dos turistas com os
taxistas e também nos restaurantes, nos bares, nas casas de shows, nos
pontos turísticos. Pense nas viagens que os turistas farão para várias
cidades do Brasil. Pense nos produtos que consumirão aqui e nos
serviços de que precisarão durante a estada. Sabe como se movimenta uma
economia, Carla? Com dinheiro circulando.
De novo: “mas o evento vai mesmo mudar a vida dele?”. Reparou na sua exigência absurda? Você aceitaria melhorar um pouco a sua vida, em vez de mudá-la totalmente? Quem não aceitaria?
Digite “exigência de perfeição” no Google, e você achará mais uma
falácia… no seu vídeo. Em síntese: se não muda por completo a vida dessa
pessoa, não serve. Depois informe-se:
Investimento se avalia em relação ao retorno. Copa do Mundo é
investimento, não despesa: vale pelo retorno. Alguém aí conhece algum
investimento que dê um retorno de 5 a 6 vezes o valor investido?
Outro ponto importante. Nem tudo é dinheiro na vida. Provavelmente seus
avós conviveram com o trauma do Maracanazo, em 1950. Seus pais, com a
lembrança dolorosa desse fato. Sua geração, com a esperança de um dia
“espantar esse fantasma”. É tão vergonhoso assim eliminar um trauma
cultural? Você não gostaria de dar essa satisfação a seus parentes?
Pinta um pouquinho de solidariedade brasileira no seu coração, quando
pensa nisso?
E a festa do povo, Carla? E a projeção internacional do país? Veja isto, um indício do que acontecerá na Copa:
Você já se americanizou tanto, Carla, a ponto de achar que só o dinheiro tem valor nesta vida? Tudo é uma contabilidade? Money?
7. As mentiras de Carla sobre as UPPs.
“As UPPs, unidades de polícia pacificadora, estão agora entrando (sic)
nas favelas e removendo criminais (sic). Agora, pra onde vocês acham
que eles estão levando esses criminais (sic) e por quanto tempo eles
estarão (sic) afastados? No Brasil, isso se chama botar a sujeira
debaixo do tapete. É uma solução temporária pra um problema muito mais
profundo”.
Percebe a imagem que você passa do nosso país, ao falar essas mentiras
num vídeo, em inglês? “Agora, pra onde vocês acham que eles estão
levando esses criminais (sic) e por quanto tempo eles estarão
afastados?” Lugar de criminoso é na prisão, Carla, e eles ficam lá o
tempo necessário para pagar a pena, segundo a lei.
Vá numa comunidade pacificada. Faça esse discurso negativista. Critique
as UPPs. Diga que é uma “solução temporária”. E tenha a coragem de
ouvir a reação das pessoas livres das quadrilhas de criminosos.
São 34 UPPs instaladas somente no Rio de Janeiro. Mais 40 delas até 2014.
O resultado?
Com as UPPs chegam os serviços básicos, abrem-se lojas, bancos
instalam-se pela primeira vez nessas comunidades, criam-se pontos
turísticos (já viu as fotos de celebridades estrangeiras visitando esses
lugares?), elimina-se o problema da Gatonet e dos gatos de luz, a vida
social se civiliza (leia as matérias).
Cidadania ainda diz alguma coisa para você, Carla?
8. A associação maldosa da alma nacional com a criminalidade.
Dessa parte eu tenho até vergonha. Mas vamos lá.
“Ainda mais. O que você acha que vem com samba, festa e dança?”
Como brasileiro, vou tentar responder. Consigo pensar em alegria,
congraçamento, companheirismo, papo alegre, piadas e gozações, cerveja,
azaração (as mulheres brasileiras são bonitas — você é bonita por ser
brasileira, não esqueça), e tantas outras atividades que combinam com a
natureza alegre e festiva do brasileiro e que fazem nosso povo ser
apreciado pelos estrangeiros. Aliás, em nossas festas sempre cabe mais
um, e eles, em especial, são bem recebidos.
Agora você responde:
“Drogas.”
O quê?!
“E de onde você acha que essas drogas vêm? Adivinha. Os criminais (sic) não podem ficar muito longe.”
Por essa eu não esperava. Você associa “samba, festa e dança” a… drogas? Traficantes? Criminosos? Sempre?
E, vem cá, não dá para perceber um pouquinho de preconceito social
nessa sua associação, Carla? Você não consegue imaginar um ambiente
festivo e popular no Brasil sem drogas e sem crimes, é isso?
Procure conhecer mais sobre a falácia denominada “apelo a preconceitos”. Dê um google.
Depois resolva esse problema com a sua consciência moral. Continuemos.
9. As mentiras de Carla sobre as desapropriações.
“Tem mais. Muitas pessoas estão sendo expulsas das suas casas para dar
espaço (sic) às Olimpíadas e à copa do mundo (sic), contra a vontade
delas (sic). As casas estão simplesmente sendo marcadas todos os dias
(sic) e sendo destruídas. É assim que está sendo feito. Essas pessoas
não recebem segurança (sic), dinheiro, ou qualquer garantia, elas são
simplesmente expulsas.”
Mais mentiras, Carla. Veja bem o que você escreveu: “Essas pessoas não recebem segurança (sic), dinheiro, ou qualquer garantia, elas são simplesmente expulsas“.
Jura que você pesquisou e procurou se informar? Jura que foi
responsável ao divulgar essa informação para todo o mundo, falando em
inglês? Se jurar, é falsa.
Há alguns problemas com as desapropriações, sim, mas em todas os
cidadãos afetados recebem indenização pelo valor de mercado. Quando há
conflito, o Ministério Público Federal entra em ação para defender os
moradores. Bem longe, portanto, da situação de terra de ninguém que você
sugere com sua descrição.
A prefeitura fornece assistência associal às pessoas desalojadas, visando a sua adaptação ao novo lar.
Algumas desapropriações estão sendo negociadas na Justiça desde 2009.
É absurdo espalhar irresponsavelmente para o mundo que elas são simplesmente expulsas,
como se imperasse a barbárie no Brasil. Pega-se um monte de gente,
despeja-se num lugar qualquer, e estamos conversados. Muitos
espectadores estrangeiros do seu vídeo podem agir de forma tão
irresponsável quanto você, passando adiante essa informação falsa sem
procurar checar sua validade.
Nem preciso dizer que considerar alguns casos (ou seja, a exceção) como
o procedimento padrão (ou seja, a regra), é um erro lógico primário.
10. O caso do Museu do Índio, no Rio.
“Índios brasileiros foram também expulsos do lugar que costumava (sic) ser a casa deles e o centro cultural indígena.
“Eles tentaram protestar, mas foram covardemente feridos por policiais com bombas, sprays de pimenta entre outras coisas (sic).
“Agora o centro cultural indígena vai ser transformado no museu do comitê olímpico (sic).
“Que tipo de democracia é essa?”
Mais uma encarada com a carinha zangada.
Decididamente, falta apego à verdade em seus relatos, Carla. Nem mesmo a
amadora Wikipédia você consulta antes de expor fatos distorcidos.
O lugar que os 18 índios ocupavam eram o antigo Museu do Índio, no Rio
de Janeiro. Em 2006, 20 índios ocuparam o prédio do Museu, inativo
desde 1978, e lá formaram a chamada Aldeia Maracanã.
A desocupação à força, embora autorizada pela Justiça, foi um erro do
governador Sérgio Cabral, sim (criticado pela ONU). Mas não há nenhuma
previsão de construção de comitê algum no lugar. A demolição visa
facilitar a mobilidade na área.
E este foi o único caso de conflito com indígenas por causa da Copa. A
generalização apressada (“Que tipo de democracia é essa?”) também é uma
falácia clássica, sabia?
11. As mentiras de Carla sobre os estádios e o emprego.
“Agora, não me entenda mal, eu acho que a copa (sic) e as olimpíadas
(sic) são eventos ótimos, mas não são o que nosso país precisa agora.”
Quem disse que a Copa e as Olimpíadas são “o que nosso país precisa
agora”? Já conversamos sobre o uso desse verbo. Depois, quem decide “o
que a gente precisa”, Carla? Você, que está aí nos Estados Unidos (e
parece conhecer muito pouco do que acontece aqui), ou nós?
“Olhem pras outras nações que sediaram a copa (sic), olhem para os
custos para os custos de manter o que a gente construiu. Milhões,
milhões por mês com o nosso (sic) dinheiro público.”
No vídeo, dois exemplos de desperdício: o centro de vôlei de praia em
Pequim e o estádio para softball em Atenas. Duas andorinhas não fazem
verão, mas para Carla dois exemplos definem uma argumentação.
“Dinheiro público” para manter o Maracanã? A Arena da Baixada? O
Estádio Beira-Rio? O Mineirão? O Estádio Fonte Nova? Fale isso para os
torcedores do Rio, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador.
Alguém explique a ela, por favor, o óbvio ululante.
Segue-se uma brilhante ilustração do pensamento digital, o famoso
raciocínio tico-ou-teco, ou isso ou aquilo, porque os dois juntos,
impossível. Em Lógica, esse artifício se denomina “falso dilema” ou
“falsa dicotomia”. É uma falácia clássica.
“A gente não precisa de estádios, a gente precisa de educação. A gente
não precisa que o Brasil impressione o mundo, a gente precisa que os
brasileiros tenham comida e saúde. A gente não precisa de mais festas, a
gente precisa de pessoas com trabalhos (sic) e vidas sustentáveis
(sic).”
Um-dois, isso-ou-aquilo, tico-ou-teco. Campeonato de besteiras, Carla?
Mentes de pessoas inteligentes conseguem ir além dessa falsa dicotomia,
dessa ilusória imposição de escolha entre duas opções. Ou estádios ou
educação. Ou impressionar o mundo ou comida e saúde. Ou mais festas ou
“trabalhos e vidas sustentáveis (sic)”.
Falaremos de educação e saúde no próximo item.
Agora empregos.
Enquanto isso…
Percebeu como se faz, Carla? Tudo com fonte, nada de falar sobre o que
não se sabe, nada de repetir argumentos vazios e memes desgastados.
Agora a melhor parte.
12. As mentiras de Carla sobre o uso alternativo dos recursos da Copa.
“Está provado, através dos bilhões que agora estamos gastando, que
temos mais do que o suficiente para mudar nossa situação. Ou que pelo
menos a gente tinha… Até a copa (sic) e as olimpíadas (sic).”
Este é o ponto. É a mesma noção equivocada reproduzida em centenas de
cartazes nas manifestações. Mero resultado de uma brutal desinformação,
arrogantemente exibida como exemplo de sabedoria pessoal. Vamos de
novo, porque esta merece repeteco: “Está provado, através dos bilhões
que agora estamos gastando, que temos mais do que o suficiente para mudar nossa situação”.
Vamos fazer umas continhas, Carla? Pegamos os 7 bilhões emprestados
pelo governo federal para a construção dos estádios. Você viu aquele
gráfico do Portal da Transparência, não viu? O governo federal não
gastou um centavo com os novos estádios. Ele emprestou
dinheiro para estados e municípios, dinheiro que voltará aos cofres
públicos. Mas vamos considerar esses 7 bilhões como gasto federal.
O governo federal gasta, só com o SUS (Sistema Único de Saúde), 136
bilhões de reais por ano. Quanto dá, então? Nem um mês de SUS
(equivalente a 11 bilhões de reais).
O portal UOL afirma que houve, sim, um gasto sem retorno da parte do governo federal: 1,1 bilhão de reais.
A notícia foi desmentida, com dados, pelo Palácio do Planalto (é um
comportamento ético mostrar os dois lados de uma questão, viu, Carla?).
Vamos esquecer o desmentido. Digamos que o governo tenha gasto
realmente 1,1 bilhão de reais, sem volta. Quanto dá? Nem o investimento
de três dias no SUS.
O.K. Agora vamos exagerar: tudo. Peguemos os 26 bilhões de reais gastos
com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, fingindo que os 19
bilhões investidos em aeroportos, infraestrutura e mobilidade urbana
não são úteis ao país. Quanto dá? Menos que dois meses e meio de SUS.
É esse montante que vai mudar nossa situação, Carla? É isso que
vai resolver os problemas da saúde, da educação, da segurança e do
transporte? É esse gasto que nos impede de resolver esses problemas
agora, como você sugere em: “Ou que pelo menos a gente tinha”?.
Entendeu? Ou será que você, além de não gostar de pesquisar no Google,
não se interessar pela veracidade das informações, não se preocupar em
transmitir os fatos com precisão e não demonstrar apreço pela Lógica,
também não sabe fazer contas?
Opa! Que burro sou eu! Esqueci que aquele total de 26 bilhões refere-se
a um gasto de 7 anos (2007-2014). Quanto será mesmo o total gasto pelo
governo federal somente no SUS, durante 7 anos? 910 bilhões de reais.
É, realmente, agora eu me convenci: mais 26 bilhões em 7 anos (menos de
4 bilhões por ano) resolveriam todos os problemas do Brasil…
Nem tudo é dinheiro, Carla. Veja estes dados (percentual do PIB investido na educação):
O Brasil, comparativamente, investe mais do que os Estados Unidos em
educação. O problema é a qualidade do ensino. Você errou de novo o alvo.
Não se trata de dinheiro.
A propósito, sabe quanto foi o PIB nacional em 2012? R$4,4 trilhões.
Mais uma continha, então (nesta eu vou ter de pedir ajuda à calculadora
do computador): 250 bilhões de reais por ano investidos na educação.
É… aqui também, mais 26 bilhões em 7 anos resolveriam todos os nossos
problemas…
A propósito, Carla, o seu “está provado”, que não provou nada, é… adivinha? Isso, uma falácia: o apelo à autoridade anônima. Quem provou?
Abaixo, um meme típico da Era da Desinformação.
13. Mais equívocos de Carla.
“…eu sei que a informação [deste vídeo] precisa ser passada e que não há vídeos suficientes, não há informação suficiente.”
Há informação suficiente, Carla. Agora, se você e outros jovens não se
interessam em procurar essa informação, não se dispondo a uma simples
busca no Google antes de fazer afirmações categóricas e equivocadas, de
quem é a culpa?
A informação que precisa ser passada não é esse amontoado de mentiras e imprecisões do seu vídeo. São os fatos.
“E é hora da gente começar a pensar nas nossas prioridades e no que realmente importa.”
Essas prioridades já foram “pensadas” há muito tempo, Carla. Elas estão
sendo praticadas. Por que você acha que o Brasil evoluiu tanto nos
últimos 10 anos? Quebramos três vezes no Governo FHC, mesmo tendo
vendido quase todo o patrimônio nacional. Hoje, o Brasil é credor do
FMI, vive uma época de pleno emprego, tem a inflação controlada em torno
de 6%, ganha destaque por suas conquistas em organismos internacionais
e…
Por que tudo isso? Porque ele definiu essas prioridades há muito:
inclusão e desenvolvimento. Inclusão por meio de programas como o Bolsa
Família.
O Bolsa-Família foi adotado por México, Venezuela, Bolívia, Peru,
Equador, África do Sul, Gana, Egito, Turquia, Paquistão, Bangladesh e
Indonésia, entre outros países. Resultado (dessa e de outras medidas):
surgiu, no Brasil, a nova classe média.
Isso é desenvolvimento, também. E na educação?
Inclusão também por meio das cotas sociais.
Programas sociais melhoram a vida da população, Carla.
Há muito mais. Basta você querer procurar.
14. A montagem do final do vídeo e a proposta irresponsável de Carla.
O final do vídeo é constrangedor: uma montagem amadora em que o
discurso da presidenta Dilma, saudando os dirigentes da Fifa e
mencionando avanços no país, é ilustrado tendenciosamente com cenas de
pobreza, violência policial, descaso na área da saúde, criminosos
presos, enchentes (!), ou seja, tudo de ruim — uma espécie de
contraparte dos clichês positivos apresentados depreciativamente no
início do vídeo. Nos clichês negativos, o fecho da mensagem subliminar
do vídeo: O que o Brasil tem de bom não presta, e o que não presta é o
que ele supostamente tem de bom.
A intenção de Carla é clara: provar que o Brasil não deveria sediar a Copa de 2014.
O.K. Vamos fingir que ela foi bem-sucedida. Você já fez um contrato,
Carla? Então sabe que em todo contrato há uma cláusula relativa ao não
cumprimento das obrigações. Sabia que o contrato da Copa já foi
assinado, e que se o Brasil deixar de realizá-la, além de perder tudo o
que iria ganhar com o torneio, terá de indenizar a Fifa, os detentores
dos direitos de transmissão e os anunciantes? Já calculou quanto seria
isso tudo?
Além, obviamente, da humilhação internacional que o cancelamento
geraria, e da pecha de “incompetente” que seria associada não ao
Governo, Carla, mas ao povo. Não é isso que pensaríamos se a Copa fosse
cancelada em outro país?
Repare como é curioso. Você afirma ser absurdo o lucro da Fifa, mas
quer, com esse cancelamento, dobrar ou triplicar os lucros da entidade
com a Copa de 2014… às nossas custas. Você afirma estar preocupada com
os gastos do Brasil, mas sua “solução” daria um prejuízo gigantesco aos
cofres públicos. Mais uma irresponsabilidade, Carla?
Sério mesmo, se há uma pessoa que tenha o mais intenso ódio ao nosso
povo, dificilmente ela desejará as consequências danosas que sua
proposta inevitavelmente geraria aos brasileiros.
Conclusão
Você, Carla, não contou a verdade integral em nenhuma (0%) das
informações que apresentou nas argumentações de seu vídeo. Não teve
sequer o cuidado de usar o Google, afirmação que posso fazer porque a
maioria dos desmentidos às suas falsidades aparece na primeira página de
resultados.
Repare também que em mais de 6 minutos de vídeo não há sequer uma menção
positiva ao nosso país. Tudo é negativo, tudo é ruim, nada presta.
Vídeo perfeito para reforçar o complexo de vira-latas de muitos
brasileiros e para incentivá-los a manifestações masoquistas de
desprezo à própria pátria. Já leu os comentários no YouTube? Talvez
dessa festa agressiva você goste, já que a festa bonita da nossa gente
você despreza.
Quantos espectadores estrangeiros do vídeo em inglês darão crédito à
sua visão pejorativa e distorcida do Brasil, porque você se apresenta
como brasileira, porque você tem boa apresentação, porque você recheou o
vídeo de técnicas de convencimento, porque você usou seu conhecimento
profissional de edição para conseguir o melhor efeito — e porque não
terão acesso ao contraditório também em inglês?
Os investidores estrangeiros, aqueles que dependem de uma avaliação
equilibrada da situação em nosso país para tomar decisões, têm opinião
bem diferente da sua. Eles são obrigados a lidar com fatos.
Qual a razão de tanto ódio pelo nosso país, Carla, ainda que travestido de preocupação bondosa com ele?
Você demonstrou que não entende nada de Brasil e do tema do vídeo. Por
caridade, omitirei o meu julgamento sobre seus dotes intelectuais. Mas
fico à espera de um segundo vídeo, em que, responsavelmente, você
reconheça os erros que cometeu no primeiro. Prefiro crer que esses erros
crassos de informação tenham sido resultado da sua natural empolgação,
própria da idade. Tempo não faltou, já que você conseguiu as imagens
que desejava, não é mesmo?
Agora, se não houver um segundo vídeo, Carla, serei forçado a concluir
que, na verdade, esses erros não foram erros, mas enganações, e que
eles foram resultado da sua má-fé.
E concluirei também que nosso país já produziu pessoas melhores.
No Curso Básico de Jornalismo Manipulativo
Do Blog COM TEXTO LIVRE.
Um comentário:
Com certeza alguns dos argumentos que vc usa até tem fundamento, o grande problema é que vc está se baseando e números maquiados pela adm pública, e tbm me parece que faz parte daquel grupo de boas vidas que estão se lixando para o Brasil se dessa forma como está continuar com os bolsos cheios! Sendo assim o vídeo embora tendo alguns erros de pesquisa está melhor fundamentado que o grande teor de bobagens governistas que constam em seus argumentos! Mas vídeos como este são um bom sinal de que o país enfim está acordando.... emboraaaaa com muitaaa, mas muitaaaa preguiça mesmo!
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