- Filho, você vai no ato amanhã?
- Claro, mãe. Por quê?
- Olha, realmente não sei nada de política, mas peço que não, porque acho que vai rolar um Golpe de Estado.
Parece absurdo, mas esse diálogo – que de fato ocorreu com um amigo – é sintomático.
No meio da manifestação desta segunda-feira (17), em São Paulo,
começou a se falar sobre uma suposta ocupação do Congresso Nacional.
Foi preocupante.
- Sabe como se chama isso?
Disse um companheiro de organização.
- Golpe de Estado.
Felizmente, como sabemos, não foi o que ocorreu. Mas esse momento de tensão nos leva a algumas reflexões.
Logo após a manifestação da última quinta-feira, a linha editorial
dos principais meios de comunicação mudou de tom radicalmente.
Se na quinta pela manhã eles inescrupulosamente pediam à Polícia
Militar agir com violência, na sexta as principais manchetes repudiavam a
ação dos PMs. Se não pode vencê-los, junte-se a eles, e busque
cooptá-los.
A mudança de discurso é significativa. Representa um oportunismo da
direita para criar um clima de instabilidade nacional. Agora, as
manchetes centralizam suas forças principalmente sobre o governo
federal.
A preocupação com os megaeventos esportivos, o distanciamento do PT
com as massas e sua incapacidade de diálogo, a suposta popularidade da
presidência em queda, as vaias na abertura da Copa das Confederações.
A pauta política está dada. Agora, a direita busca a pauta econômica
para concretizar seu discurso e desestabilizar o governo. E, com isso,
começam a retomar a questão da inflação.
O editorial da Folha desta segunda diz que, com
exceção dos beneficiados do novo programa federal Minha Casa Melhor,
“todos os outros brasileiros, em contraste, veem sua capacidade de
consumo estreitar-se de forma acelerada, sob o golpe duplo do aumento da
inflação (que já corrói os salários) e dos juros (que deve onerar as
compras a prazo)”.
A história nos ensina que as contra-ofensivas se realizam com mais
sucesso se for respaldada de um artefato sólido, ao entrelaçar elementos
políticos aos econômicos.
E é o que estão buscando. “Dilma Rousseff resvalará para o
autoengano, porém, se desconsiderar que as vaias vieram na semana em que
se espalharam pelo país protestos contra altas de preços (tarifas de
transportes) e contra o que alguns percebem como mau emprego de verbas
públicas (nos eventos esportivos, entre outros)”.
E já atestam como fato dado que, no ano pré-eleitoral, “são fortes os
sinais de que se rompe a bolha de otimismo que levou Dilma ao
Planalto”.
“O que aflige os brasileiros é a perda de poder aquisitivo, com a
inflação, e a incapacidade do Estado de apresentar soluções concretas
para a crise nas áreas vitais de saúde, educação, segurança e
transportes. Mais consumo e mais futebol não resolvem nada disso”,
termina o editorial.
Mentira. Os espasmos inflacionários que a tese dominante tanto aposta
evolui pouco perto do estardalhaço. A última nota técnica do Dieese
(abril), mostra que entre março de 2012 a março de 2013, o IPCA evoluiu
6,59%, enquanto os preços dos alimentos, 13.49%.
Se não fosse o problema do subgrupo alimento, que ocorre devido a
problemas sazonais e estruturais da agricultura brasileira (como bem
coloca Gerson Teixeira em seu artigo O agronegócio é ‘negócio’ para o
Brasil?), o IPCA teria sido de 5.07%, segundo simulação feita pelo
Ministério da Fazenda. A meta central de inflação dentro do intervalo de
tolerância é de 6,5%.
Tentam misturar as coisas, confundir e influenciar sobre um movimento
ainda bem descentralizado. Soma-se a isso o fato da grande maioria (a
redundância aqui é proposital) dos que participaram das manifestações
não serem organizados e, ainda, rechaçarem violentamente partidos
políticos e não terem uma compreensão clara sobre a necessidade
organizativa.
Ao longo da marcha, bandeiras do PSTU foram tomadas por algumas
pessoas. A Juventude do PT foi ameaçada por outro grupo e teria
apanhado, não fossem outras organizações que estavam por perto e
apaziguaram a situação. Boa parte do clima era de ódio com a política,
com políticos e com partidos.
O momento é delicado. É necessário que a esquerda tenha isso em mente
e, se ainda é possível, também colocar uma responsabilidade e
necessidade do PT deixar de ser bundão, ser mais protagonista, polarizar
o debate e politizar as massas.
E é o momento das forças de esquerda unificarem a luta, incidirem
sobre o debate político ideológico e pressionar o PT a tomar alguma
posição. Sempre reforçando a pauta central: diminuição dos preços do
transporte público, e não ampliando como a direita pretende.
A direita, longe de ser boba, está se aproveitando. E para
capitalizar essa gente e servir a ela como massa de manobra, não é
preciso muito devido o grau de despolitização que o período neoliberal
nos deixou.
Sem dúvida, as políticas sociais dos governos petistas melhoraram a
vida do povo em muito, mas apenas no âmbito do consumo. Sem nunca se
preocuparem com o processo de politização da classe trabalhadora. O que
nada garante que num momento de polarização do debate e uma ofensiva da
direita, as massas saiam às ruas em defesa desse governo ou partido.
Se outrora o trabalho de base pelo PT era uma das prioridades, há
muito ele foi abandonado. E esse vazio político deixado tem que ser
preenchido e aproveitado por essa aliança de forças dentro da esquerda.
Ainda resta um dilema ao PT: ou o maior partido político que ainda se
diz de esquerda vai para a ofensiva, ou corre um sério risco de dar um
tiro no próprio pé.
Enfim, de fato, não acredito que as angústias de Golpe de Estado
estejam colocados por hora, mas sem dúvida é um importante momento de
reflexão para ocasiões futuras.
Luiz Felipe AlbuquerqueNo Viomundo
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