A quinta edição comemorativa do aniversário de 15 anos da versão televisiva do Observatório da Imprensa,
exibida na terça-feira(4/6), na TV Brasil, veiculou uma entrevista de
Alberto Dines com Franklin Martins, que foi ministro-chefe da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República durante do
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Franklin Martins
começou a trabalhar aos 15 anos no jornal Última Hora e, em
1967, entrou para o curso de Ciências Econômicas na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante a ditadura militar militou no
movimento estudantil. Foi preso, passou para a clandestinidade e
integrou a luta armada. Exilou-se na França em 1977 e voltou ao Brasil
com a anistia, dois anos depois. Na década de 1980 voltou-se para o
jornalismo político e passou pelas principais Redações do país: O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, TV Globo, SBT, Época e Rádio Bandeirantes.
Em editorial, antes do debate no estúdio, Dines ressaltou o perfil de
crítico de Franklin Martins: “Nosso convidado é um experimentado e
brilhante jornalista que converteu-se num estudioso da mídia
contemporânea por força da função de ministro-chefe da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República, mas também como
decorrência de uma consciência crítica da qual raros são os
profissionais que dela conseguem escapar. Jornalismo é um exercício
constante de crítica e autocrítica”.
Na abertura do programa, Dines comentou que quando a presidente Dilma
Rousseff se sente incomodada com a mídia usa um truque: convoca Franklin
Martins ao Palácio do Planalto. “Ninguém sabe o que vocês falaram e
logo depois a mídia arrefece o seu entusiasmo”, explicou Dines. O
ex-ministro assegurou que esse truque não passa de folclore: “Se a
presidente me convidasse todo dia em que ela se chateia demais, me
convidaria todo dia para ir lá. A imprensa não larga do pé dela”, disse
Franklin Martins.
Imprensa e poder
O ex-ministro contou que ele e a presidente construiram uma sólida
amizade durante o segundo mandato do presidente Lula da Silva, quando
Dilma ocupava o cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Atualmente, os
dois mantêm conversas frequentes que não giram apenas em torno de
política, mas tratam também de literatura e outros temas. “Se ela
resolve de vez em quando [cutucar] um pouco a imprensa, é um direito que
ela tem”, avaliou o ex-ministro, em tom de brincadeira.
Dines comentou que esse folclore se propaga porque o ex-ministro
encarna a possibilidade de “tirar do armário o fantasma do marco
regulatório das comunicações no Brasil”. Para Franklin Martins, apenas
os donos dos grandes grupos de comunicação ficam incomodados em discutir
temas ligados à mídia – a sociedade, em geral, não se incomoda com
essa questão. O Brasil precisa “desesperadamente” de um novo
ordenamento jurídico para o setor de comunicação eletrônica, na opinião
do ex-ministro.
“Nós estamos vivendo um momento no mundo de convergência das
comunicações eletrônicas. Isso significa que o celular, a televisão
portátil e o computador afunilam para a mesma coisa. Não haverá
diferença entre celular, computador e televisão portátil dentro de muito
pouco tempo. Isso significa que o conteúdo que é posto à disposição
das pessoas – seja pela radiodifusão, seja pelas empresas de
telecomunicação ou pelos Googles da vida – está afunilando. Se não
houver um marco regulatório, isso significa que nós vamos ter um reforço
ainda maior do processo de oligopolização da indústria de comunicação,
que é algo vital para a sociedade”, defendeu Franklin Martins.
Legislação atrasada
O foco de atenção do ex-ministro é o espectro eletromagnético, que
compreende a radiodifusão e boa parte da telefonia, sobretudo a móvel.
“Isso é um bem público, escasso e finito, que tem que ser repartido. Por
isso, é objeto de concessão pública”, explicou Franklin Martins. Todas
as concessões públicas são reguladas pelo Estado em qualquer país. “No
Brasil, nós vivemos um festival de gambiarras nessa área há muito
tempo”, criticou o ex-ministro. O Código Geral de Telecomunicação do
Brasil, que rege a radiodifusão e parte das telecomunicações, foi
promulgado em 1962 e está claramente defasado. Há 50 anos, quando foi
criado, havia apenas 2 milhões de aparelhos de televisão. Hoje, há
transmissão ao vivo, redes, satélites, cadeia nacional e internet, para
citar apenas algumas mudanças.
Esta discussão, na opinião de Franklin Martins, é indispensável para a
sobrevivência dos grupos de comunicação, que correm o risco de ser
“atropelados pela jamanta” – as empresas de telecomunicação e os grandes
portais de busca. A situação vai afetar a produção de conteúdo e
concentrar ainda mais o setor, mas não há interesse em discuti-la. “O
problema é que no Brasil nós temos a tradição de que sempre que se fala
em discussão de alguma coisa que afeta a imprensa, se reage como se
isso fosse um atentado à liberdade de imprensa”, criticou Franklin
Martins. Para ele, isso só ocorre porque o setor é altamente
concentrado.
Nas últimas décadas, a ditatura militar contribuiu para a concentração
da mídia brasileira e a imprensa se tornou uma indústria pesada, com
altos custos de produção. Nos anos 1950, circulavam no Rio de Janeiro,
então capital federal, mais de vinte jornais importantes. Atualmente,
apenas dois grupos de comunicação atuam no estado, evidenciando um
processo de concentração que aconteceu também na televisão e no rádio.
Para Franklin Martins, as novas mídias promovem uma convergência e
exigem uma regulação que seja capaz de lidar com o novo paradigma – mas,
por outro lado, permitem um extraordinário barateamento dos custos de
produção. Este fator permitiria a volta dos “tempos heroicos da
imprensa”, quando os jornalistas e pequenos empresários tinham condições
de lançar publicações e se manter no mercado.
O novelo das comunicações
Dines ressaltou que a expressão marco regulatório pode soar assombrosa
para alguns setores, mas que fora do Brasil são adotadas medidas
reguladoras que funcionam, como a arbitragem da concorrência promovida
pela Federal Communications Commission (FCC), nos Estados Unidos. O
órgão impede a propriedade cruzada e a concentração de um grupo de mídia
em uma mesma região. Dines sugeriu que se medidas como esta fossem
adotadas no Brasil não “assustariam” dos grupos de mídia e abririam as
portas para a discussão. Para Franklin Martins, a questão precisa ser
discutida, mesmo contra a vontade das empresas.
“Fantasmas existem para quem acredita em fantasmas, não para pessoas
que botam o pé no chão, que são razoáveis, que olham o mundo de frente
ou que não querem manipular a opinião pública, porque grande parte disso
é algo deliberado por parte da imprensa tentando interditar uma
discussão”, avaliou o ex-ministro. Para Franklin Martins, o debate sobre
o marco regulatório acaba sendo um debate sobre a imprensa, a
indústria de entretenimento e os direitos da população à informação e à
pluralidade. “Isso não tem nada a ver com controle de conteúdo porque
censura é um controle prévio de conteúdo. Isso momento algum [isso] foi
proposto. Vem se criando uma grande confusão que interdita o debate.
Só que isso não vai dar certo porque a convergência impõe mudanças e
isso terá que ser discutido”, garantiu o ex-ministro.
Franklin Martins comentou que podem ser observados avanços na
regulação. Há cerca de um ano, por exemplo, foi estabelecida uma
legislação para a TV por assinatura. “Separou distribuição de produção –
quem produz não pode distribuir, quem distribui não pode produzir –
para impedir a concentração, a oligopolização. Estabeleceu cotas para a
produção nacional, para a regional e para a independente. E isso tudo,
diga-se de passagem, previsto na Constituição da nossa República. Todos
esses dispositivos nunca foram regulados. O setor de radiodifusão é o
único setor onde a Constituição federal diz especificamente que não
pode haver oligopólio, mas nunca houve regulação do assunto”, disse.
Uma mídia mais plural
O ministro comentou que o único dispositivo que foi regulado é o que
proibia a presença de capital estrangeiro na mídia brasileira. “Em 2002,
a meu ver acertadamente, ampliou-se para 30%. É claro que isso se
ampliou em razão de que havia algumas empresas, no caso a Editora Abril e
as Organizações Globo, que viviam seriíssimos problemas de caixa no
momento e isso foi muito bem-vindo. Mas só quando foi a favor das
empresas de comunicação é que alguma coisa foi regulada. E a sociedade? E
o cidadão? Ele não tem direito à pluralidade?”, questionou Franklin
Martins.
A importância da imprensa comunitária também foi discutida na
entrevista. “Jornalismo comunitário tem uma importância monumental no
mundo todo. Jornal escrito, em princípio, é comunitário, é da cidade
dele [leitor]. Rádio é comunitário. Televisão é que já é um pouco mais
complicado. Quem souber se conectar com isso vai longe. Quem ficar
choramingando porque o mundo está mudando e achincalhando quem quer ir
para frente, vai ficar para trás”, apostou Franklin Martins. Para ele,
atualmente, as TVs e rádios comunitárias são tratadas como se fossem uma
excrecência, mesmo sendo parte importante no processo de comunicação.
Outro tema tratado no programa foi a concessão de canais de
radiodifusão a parlamentares. Franklin Martins explicou que a
Constituição não proíbe especificamente a presença de parlamentares no
controle, mas diz claramente que quem goza de foro privilegiado, como
deputados, senadores e juízes, não pode ser detentor de concessão
pública. Alugar horário para venda de produtos ou para confissões
religiosas é outra distorção no sistema de radiodifusão. “Isso virou um
cipoal de gambiarras porque não existe um marco regulatório. Não tem
nada de espantoso. Nos Estados Unidos tem, mas eles regulam mais pela
via econômica, proibindo a propriedade cruzada”, sublinhou o ex-minstro.
Já na Europa são estabelecidas algumas obrigações de conteúdo, como
proibição de atos racistas e de incitação ao ódio.
Independente de quem?
O ex-ministro defendeu o debate em torno da propriedade cruzada. Nos anos 1980, os jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo
chegaram a tratar do assunto publicamente, mas a discussão não
avançou. “A imprensa é algo que é cíclico, não está sempre ladeira
abaixo ou sempre subindo a montanha. Eu acho que nós já vivemos
momentos bem melhores na nossa imprensa sob o ponto de vista da
qualidade e da pluralidade. Hoje em dia há um certo pensamento único”,
criticou Franklin Martins.
Para ele, a mídia precisa se ater aos fatos para poder ser
independente: “A imprensa não pode querer ir além das suas chinelas. A
imprensa existe para fornecer informação de qualidade, e dependente dos
fatos. Porque eu sempre digo: só existe uma imprensa independente, a
que é dependente dos fatos. A que é independente só do governo, mas que
é dependente da oposição; a que é independente do governo, mas é
dependente dos grupos econômicos ou dos interesses dos acionistas,
[esta] não é independente. É gogó, é discurso. Independência da imprensa
é resultado de uma dependência visceral que é a dependência do fato”.
Atualmente está um curso uma significativa mudança no modelo de
comunicação, na opinião de Franklin Martins. O padrão vigente, onde um
núcleo ativo produtor de informação emite a mensagem para uma massa
passiva consumidora, está com os dias contados. “Isto acabou. Hoje em
dia, mal saiu a notícia você já tem um monte de gente na internet
discutindo se aquilo é verdadeiro ou não é. Os erros da imprensa
resistem por pouquíssimo tempo”, afirmou o ex-ministro. Casos de
manipulação da imprensa são desmascarados rapidamente: “A internet é o
cidadão entrando e atropelando as instituições que estão estabelecidas”.
Novos tempos para a imprensa
Se a imprensa reagir de forma positiva a esse novo cenário, de acordo
com a previsão do jornalista, poderá aprender com os erros: “Nós seremos
mais humildes. Nós somos muito arrogantes, de um modo geral. E dos
donos de jornal, então, nem se fala”. Na opinião de Franklin Martins, a
sociedade é benevolente com os erros da imprensa quando acredita que
foram cometidos de boa-fé, no afã de entregar a notícia rapidamente. Por
outro lado, quando percebe que está sendo manipulada, torna-se crítica
ferrenho. “Existe um contrato básico que é o seguinte: eu vou lhe
entregar informação honesta e de qualidade e vou lhe proporcionar um
debate público plural. Mas, além disso, eu tenho que lhe surpreender.
Quando que você se surpreende hoje em dia?”, questionou.
O ex-ministro assegurou que a imprensa incomoda muito mais o governo
quando é verdadeira do que quando é mentirosa. “Quando ela é mentirosa,
não afeta nada porque isso não resiste. Quando ela é verdadeira, obriga
o governo a fazer mudanças, retificações, derruba pessoas”, explicou.
Para o entrevistado, os principais órgãos de imprensa têm uma política
conservadora. O ex-ministro lembrou como foi trabalhar nas Organizações
Globo, mesmo tendo um perfil historicamente identificado com o
pensamento de esquerda. De acordo com Franklin Martins, a direção do
grupo percebeu que a empresa havia saído chamuscada do período da
ditadura e decidiu adotar duas táticas para reformar a sua imagem:
apegar-se aos fatos e contratar colaboradores com perfis diversos.
“Hoje em dia eu vejo no jornal: todo mundo fala igual, todos os
colunistas falam igual. Isso serve para dar aos telespectadores,
leitores e ouvintes uma dose diária de fel e ressentimento que a gente
tem que entregar, mas isso também demonstra insegurança no debate de
ideias. Por que não se pode debater ideias livremente, com posições
diferentes?”, questionou.
A imprensa brasileira nos anos 1980 e 1990 vivia um período de
ebulição, mas era obrigada a “baixar a bola” com frequência: “Alguém ia
sair batendo no Antonio Carlos Magalhães assim? Embrulhou, mandou,
bate? Não, porque Antonio Carlos Magalhães tinha poder. Se queria fazer
uma matéria contra ele, tinha que matar a cobra e mostrar o pau. Hoje
em dia vale qualquer coisa, desde que seja contra fulano ou beltrano.
Se for contra certas pessoas da oposição, senta-se em cima. Se for um
debate que estimula uma reflexão crítica sobre a imprensa, senta-se em
cima. Sabe qual é o maior tabu da imprensa? A imprensa. E quando a
imprensa não se aceita discutir ela será discutida pelos outros”.
No Observatório da Imprensa
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