O jurista de Diamantino,
quando recorre
maliciosamente à
comparação com o processo
venezuelano, deixa claro que,
em sua concepção de
república, o mando do Estado
é privativo das oligarquia
quando recorre
maliciosamente à
comparação com o processo
venezuelano, deixa claro que,
em sua concepção de
república, o mando do Estado
é privativo das oligarquia
A crítica assanhada à ideia de poder constituinte para reformar o
ordenamento político, verbalizada pelo ministro do STF, não oculta seu
desgosto com qualquer solução à crise baseada na soberania popular. A
atitude midiática de Gilmar Mendes, de constantes refregas com o
parlamento, não passa de espetáculo para a arquibancada. Na hora agá,
ocupa a linha de frente entre os que querem tudo decidido sem a voz das
ruas.
Quando afirma que “o Brasil dormiu como se fosse Alemanha, Itália,
Espanha, Portugal em termos de estabilidade institucional e amanheceu
parecido com a Bolívia ou a Venezuela”, além de revelar sua profunda
ignorância sobre os países vizinhos, coloca seu preconceito a serviço do
sistema oligárquico. Gilmar Mendes, afinal, sabe perfeitamente que as
forças conservadoras impedirão, se a decisão sobre reforma política
ficar restrita ao parlamento, qualquer mudança democrática.
A proibição do financiamento privado e o voto em lista, aparte serem
fatores de redução da corrupção eleitoral, podem elevar a disputa
política-ideológica a um patamar que desloque a hegemonia dos grande
grupos econômicos sobre o Estado e a sociedade. Tudo o que os partidos e
porta-vozes das elites não querem é um cenário no qual eleições se
transformem em confronto de projetos e interesses de classe.
A direita perdeu o governo nacional, mas o campo do atraso e do
conservadorismo detém folgada maioria parlamentar. A bancada de
esquerda, na melhor das hipóteses, agrega uns 150 deputados e 20
senadores – menos de um terço do poder legislativo. A administração
liderada pelo PT, para sobreviver, teve que fazer alianças esdrúxulas e
rebaixar seu programa em diversos setores. Não é à toa a paralisia na
reforma agrária e o bloqueio ao imposto sobre grandes fortunas, para
citarmos apenas dois exemplos.
Apesar das três eleições de presidentes progressistas, as correntes
reacionárias ainda são capazes de controlar o parlamento graças, em boa
medida, ao sistema atual. Fartos recursos empresariais, associados ao
voto unipessoal, potencializam as relações clientelistas, que
despolitizam a sociedade e individualizam a política. O choque entre
blocos, propiciado pelo voto em lista, tende a equalizar a natureza do
voto parlamentar com o presidencial. Os riscos para os conservadores são
evidentes.
Tudo teria ficado na modorrenta situação de sempre não fosse a
rebelião das ruas. As manifestações populares e juvenis, com seus
acertos e desacertos, escancaram a podridão do ordenamento atual, seus
mecanismos de obstrução à participação popular e suas negociatas.
Reabriram chances para uma profunda transformação.
A presidente Dilma Rousseff atentou ao momento histórico e convocou o
país para esta reforma imprescindível, devolvendo às ruas, ao povo
soberano, a decisão sobre o rumo a tomar. Respondeu à crise com um
chamado democrático, para que as urnas decidam sobre a fundação de nova
ordem política.
O jurista de Diamantino, quando ataca a Constituinte, mira o
plebiscito proposto por Dilma. Quando recorre maliciosamente à
comparação com o processo venezuelano, deixa claro que, em sua concepção
de república, o mando do Estado é privativo das oligarquias. Ao povo,
para o ministro do STF, cabe lugar apenas na plateia, submisso aos
truques e malabarismos dos senhores proprietários da riqueza e do poder.
Mas cabe um elogio à conduta do magistrado. Por não ter papas na
língua, ajuda a desnudar o caráter autoritário das elites acostumadas a
fazer e desfazer dos interesses nacionais desde Cabral. Gilmar Mendes
nunca escondeu que é o cão de guarda do conservadorismo.
Breno Altman, jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
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