Os momentos históricos são diferentes, mas o que está acontecendo em
São Paulo precisa ser discutido do tamanho que merece. Manifestantes não
podem ser presos sob acusação de formação de quadrilha, crime
inafiançável. Se isso vier a prevalecer, estaremos entrando num cenário
de ditadura contra a luta social. Será um novo AI-5, o instrumento que
faltava para a tão sonhada criminalização dos movimentos sociais que
vem sendo arquitetada há tanto tempo pelas forças conservadoras do
país. E que ganhou hoje o apoio, em editorial, da Folha e do Estado de
S. Paulo.
Na última terça-feira foram 20 presos. Hoje, fala-se em mais de 60.
Muitos deles jovens que carregavam apenas vinagre para se defender do já
previsto ataque de bombas da Polícia Militar. Entre esses que
carregavam vinagre, um fotógrafo da Carta Capital.
O jornalista da Carta Capital já foi solto, mas a grande maioria dos
jovens ainda está amargando o gosto da cela. Quem não está sendo acusado
de formação de quadrilha, pode obter a liberdade pagando 20 mil reais.
Ou seja, a partir de agora quem for para a rua lutar é bandido de alta
periculosidade. E o pior disso tudo é que tem gente que se diz de
esquerda que está aplaudindo essa ação nefasta.
Cansei de ver os metalúrgicos do ABC parando a Anchieta para
reivindicar aumentos. Cansei de ver os bancários de São Paulo fechando
as ruas do centro de São Paulo em suas campanhas salariais. Participei
de greves gerais convocadas pela CUT e que interrompiam avenidas de todo
o país. E muitas vezes vi gente com pedaço de pau e o que tivesse na
frente indo para cima de policiais e da cavalaria. E também vi muitos
sindicalistas com o rosto jorrando sangue.
A polícia brasileira sempre foi violenta com os movimentos sociais. E é
essa violência que estamos assistindo contra os manifestantes no
centro de São Paulo que está engordando o caldo das manifestações do
Passe Livre. Essa violência que o jovem da periferia vive no seu
cotidiano é também a gasolina dos protestos. Não é só os vinte centavos.
Muito mais gente vai para a rua da próxima vez. E Alckmin está dando
risada. Porque isso vai fazer bem para a sua popularidade. Afinal, em
São Paulo há um eleitorado que quer o xerife na rua. Quer ver sangue. E
quer ver quem luta, quem protesta, quem para avenidas, na cadeia. Que
sonha em ver a extinção “dessa raça”.
A questão é que se os movimentos sociais que não estão diretamente
envolvidos nos protestos atuais aceitarem essa criminalização absurda do
Movimento Passe Livre, estarão assinando o seu atestado de óbito.
Quando quiserem lutar serão tratados da mesma forma.
A não ser que já tenham abdicado da luta como um instrumento de
construção de uma sociedade mais justa. E aí também já terão assinado
seu atestado de óbito. Movimento que não luta numa sociedade tão
desigual como a nossa não é movimento.
Para o movimento social agora não é hora de se discutir os exageros. É
hora de defender os direitos. O que está em curso é muito mais perigoso
do que pode parecer à primeira vista. A continuar assim, em breve,
líderes sociais estarão sendo presos acusados de terrorismo.
Renato Rovai
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